terça-feira, 29 de novembro de 2011

Tô com mais preguiça do que o cara que desenhou a bandeira do Japão !!
Os outros me fazem bem, mas você, você me faz feliz...Deus! Obrigada por mais um dia e por tudo que de bom e ruim aconteceu hoje!
Ninguem consegue caminhar na vida, sem tropeçar várias vezes… essa é a lei.

A única coisa que impede que você seja feliz é o seu medo de tentar.

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As pessoas não estão neste mundo para satisfazer as nossas expectativas, assim como não estamos aqui, para satisfazer as dela.
Temos que nos bastar... nos bastar sempre e quando procuramos estar com alguém, temos que nos conscientizar de que estamos juntos porque gostamos, porque queremos e nos sentimos bem, nunca por precisar de alguém.
As pessoas não se precisam, elas se completam... não por serem metades, mas por serem inteiras, dispostas a dividir objetivos comuns, alegrias e vida.


;*
Estou indo sem muita bagagem. Pesos desnecessarios sempre causam dores desnecessarias ;)
Se eu sorrir, o Sol vai continuar a brilhar pra mim
"Heureux, heureux à en mourir."
(Feliz, feliz até morrer!)
Tudo o que acontece em sua vida é para fortificar a sua fé!


Deus vai realizar o sonho da sua vida! Se hoje ele parece distante e irrealizável, espera, persevere, não desista, alimente-o cada vez mais.


O grão de mostarda é minúsculo, se a nossa fé tiver esta dimensão é o suficiente para que o milagre aconteça!


O homem que vai mais longe é aquele que anda de joelhos
Mas quando desvio meu olho do teu, dentro de mim guardo sempre teu rosto.
Caio Fernando Abreu

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

"Eu sei que vou. Insisto na caminhada. O que não dá é pra ficar parado. Se amanhã o que eu sonhei não for bem aquilo, eu tiro um arco-íris da cartola. E refaço. Colo. Pinto e bordo. Porque a força de dentro é maior. Maior que todo mal que existe no mundo. Maior que todos os ventos contrários. É maior porque é do bem. E nisso, sim, acredito até o fim."

Caio Fernando Abreu
recomeçar , é da uma nova chance a si mesmo , é renovar as esperanças e o mais importante , é acreditar em você de novo . Carlos Drummond de Andrade
ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤTudo o que é verdadeiro , tudo o que é respeitável , tudo o que é justo , tudo o que é puro , tudo o que é amável , tudo o que é de boa fama , se alguma virtude há e se algum louvor existe , seja isso o que ocupe o vosso pensamento.
ㅤ ㅤㅤ ㅤ ㅤㅤ ㅤ ㅤㅤ Filipenses 4: 8

Jesus, sou sua fã, número one ♪♫ (L'

Ela trabalha , ela é demais é independente ♪

A semana, seus dias e personalidade...

Os dias da semana e suas personalidades: Domingo:
Domingo é o dia mais desejado pelos seres humanos.
E o mais invejado pelos outros dias, porque afinal, é considerado um dia de descanso.
E não tem jeito, domingo é babado:
Se faz sol, você pode ir para a praia, ou pode tomar sol no quintal, na piscina do prédio, na piscina da amiga, na laje, na beira do rio, na cachoeira.
Se chove, você fica na cama até mais tarde, dorme, assiste filmes, joga tranca com os amigos, lê um livro.
Fila “bóia” na casa de alguém, ou cozinha para os amigos tomando vinho , como faz os “sofisticados”.
E a noite, curte uma tv com a famíla ou com você mesmo.
Ou curte um cinema com o seu amor, família ou você mesmo.
Ou curte uma baladadinha leve com o seu amor ou com amigos ou colegas de balada.
O domingo, se fosse um signo, seria CÂNCER, por causa da proximidade da família e amigos, descanso e apego ao lar e a leve depressão\nostalgia que dá quando este dia acaba. 2-Segunda feira:
Dia meio que odiado pelas pessoas.
È o dia em que a expressão DIA ÚTIL, se torna mais forte e com mais sentido.
para os otimistas, é o dia mundial da esperança, porque tudo começa na segunda feira:
Escola, faculdade, regime, emprego novo, curso…
È um dia de responsabilidade, em que nos obrigamos a começar tudo na potência máxima.
Toda a farra do fim de semana, vai embora, neste dia de encarar a realidade cara a cara, com ou sem óculos de grife.
Mas óculos de grife ou falsificados, não mudam a cara da realidade que não tá para brincadeiras.
Mas a segunda feira costuma passar rápidamente, devido ao grande número de coisas que temos para fazer.
Temida, odiada e esperada.Poderosa segunda feira.
Se fosse um signo, seria CAPRICÓRNIO, devido a sua responsabilidade, pé na realidade e seriedade lendária. Terça feira:
È um dia, meio que de “ufa!”
Sua semana já foi definida pela segunda feira, então agora é só seguir os planos, planejar para que nada dê errado, ou realmente COMEÇAR o trabalho.
Dia em que você vai e volta e comunica-se para que as coisas andem.
Um dia em que também você já se recuperou dos excessos do fim de semana e passou pelo monstro da segunda feira.
Dia em que as emoções já estão calmas, tipo: “sim a semana já começou”.
Se terça fosse um signo, seria GÊMEOS, pela necessidade de comunicação, pela necessidade de mudar, adaptar e dar continuidade a coisas novas propostas pela segunda feira.
È preciso correr, fazer, mudar, dar movimento ao dia.
Coisas e decisões são comentadas. Quarta feira:
È um dia em que você precisa de esperança, porque sim, você está no meio da semana, e aí, a dura realidade está no seu auge.
Coisas a fazer, no meio do caminho, em andamento, um certo cansaço, mas a esperança lá no fundo de que o fim de semana está chegando.
È preciso firmeza, objetividade e bom senso, para não deixar o TREM BALA virar uma MARIA FUMAÇA.
Se fosse um signo, seria TOURO, pela necessidade de persistência, pé no chão e determinação, pois o corpo não pode amolecer bem no meio do processo.
Café preto, corretivo nas olheiras, e cabeça erguida para andar firme! Quinta feira:
Obaaaaaaaaa!
Dia divertido, incrível, já com aquela vontade de sair, jantar fora, ver alguns amigos, meio que anunciando o fim de semana.
A semana já está meio que determinada, trabalhos encaminhados, apenas alguns acertos e se pintar algum projeto novo, você estará mais disposto, porque se você parar pra pensar, a maioria das pessoas estão com bom humor na quinta feira. Um dia jovem, com aquela energia brejeira e safada e sabemos que nas QUINTAS FEIRAS tem baladinhas…rsrsrs. E que signo seria a quinta feira? AQUÁRIO, né meu bem…antecipando o futuro, trazendo uma certa esperança e jovialidade para nossos corações. Um sorriso interno, uma compreensão de que o futuro vem e não precisamos teme-lo! Sexta feira: È sexta feira…é sexta feira…(como diria Ligia Mendes, minha amiga do programa Missão Impossível na Joven Pan). È o dia de entregar os últimos trabalhos, de tentar concluir a semana, e até de planejar os próximos passos para a próxima semana. Muitas pessoas se vestem de branco, porque acreditam que é um dia de pura energia, um dia de homenagear OXALÁ, mas também um dia de suspiro de alívio porque a semana de trabalho formal está acabando. À noite, aquela baladinha, ou cinema\jantar\motel com a pessoa amada. Dia de talvez comprar uma roupa nova para o fim de semana, dia de pensar no look e em tudo que pode acontecer no findes. E que dia seria sexta feira? SÁGITÁRIO.Signo festeiro, otimista, cheio de amigos e ao mesmo tempo religioso e filósofo(lembre se da tradição de se vestir de branco\Oxalá). Sábado: Dia de festa, dia do amor.(os namorados saem juntinhos neste dia, e quem não tem um amor, tem esperança de conhecer alguém na balada). Mulheres fazem as unhas, homens cortam o cabelo, mulheres se depilam, homens lavam o carro, mulheres escolhem a roupa, gays malham o peito, bíceps e abdomem que são o carro chefe da balada gay e os rapazes escolhem a cueca e colocam camisinhas na carteira. Donas de casa fazem compras, fazem faxina, maridos cuidam do jardim, fazem churrascos para amigos e parentes… Que dia mais exibido! E que dia o sábado seria? LEÃO, é óbvio. Beijos com gloss de grife.

Frases de Platão e suas consequências:

1-” Todo homem é um poeta quando está apaixonado”. Viu? Platão incentivou e agora temos o SERTANEJO UNIVERSITÁRIO.
2-”Uma vida questionada não merece ser vivida” Viu? Platão incentivou e agora temos a MULHER DO CENSO.
3-”Tente mover o mundo…o primeiro passo será mover a si mesmo. Viu? Platão incentivou e agora temos a AULA DE SPINNING.
4-”Não deixe crescer a ERVA no caminho da amizade” Viu? Platão incentivou o FIM DA MACONHA.
(não conseguiu).
5-”São muitos os que usam a régua, mas poucos os inspirados” Viu? Platão incentivou o COMPLEXO DO TAMANHO DO PÊNIS.
6-”No imposto profissional o justo paga mais e o injusto paga menos, sobre o mesmo rendimento”. Viu?Platão já previa A SITUAÇÃO POLÍTICA DO BRASIL.
7-”Não espere por uma crise para descobrir o que é importante na sua vida” Viu? Platão já incentivava a TERAPIA DESDE CRIANÇA. Amo Platão.

Triste é a vida dos que não sabem perdoar .

Um certo rapaz não ia muito à escola, suas notas e o comportamento era uma recepção para seus pais que, como bons cristãos, sonhavam em vê-lo formado e bem sucedido.

Um belo dia, o bom pai lhe propôs um acordo: - Se você, meu filho, mudar o comportamento, e se dedicar aos estudos e conseguir ser aprovado no vestibular para a faculdade de medicina, lhe darei um carro de presente. Por causa do carro, o rapaz mudou da água para o vinho. Passou a estudar como nunca e a ter um comportamento exemplar. O pai estava feliz, mas tinha uma preocupação. Sabia que a mudança do rapaz não era fruto de uma conversão sincera, mas apenas do interesse em obter o automóvel. Isso era mau!
O rapaz seguia os estudos e aguardava o resultado dos seus esforços. Assim, o grande dia chegou! Fora aprovado no vestibular para o curso de medicina.
Como havia prometido, o pai convidou a família e os amigos para uma festa de comemoração. O rapaz\tinha por certo que na festa o pai lhe daria o automóvel.
Quando pediu a palavra, o pai elogiou o resultado obtido pelo filho e lhe passou ás mãos uma caixa de presente. Crendo que ali estava as chaves do carro, o rapaz abriu-a emocionado. Para sua surpresa era uma Bíblia. Então ele ficou visivelmente decepcionado e nada disse.
A partir daquele dia, o silêncio e a distância separaram pai e filho. O jovem se sentia traído e, agora, lutava para ser independente. deixou a casa dos pais e foi morar no campus da universidade. Raramente mandava notícias à família. O tempo passou, ele se formou, conseguiu um emprego em um bom hospital e se esqueceu completamente do pai.
Todas as tentativas do pai para reatar os laços foram em vão. até que um dia o velho, muito triste com a situação, adoeceu e não resistindo FALECEU.
No enterro, a mãe entregou ao filho, indiferente, à Bíblia que tinha sido o último presente do pai e que havia sido deixada para trás. De volta à sua casa, o rapaz, que nunca perdoara o pai, quando colocou o livro numa estante, notou que havia um envelope dentro dele. Ao abri-lo, encontro uma carta e um cheque. A carta dizia :
Meu querido filho, sei o quanto você deseja ter um carro. Eu prometi e aqui está o cheque para que você escolha aquele que mais lhe agradar. No entanto, fiz questão de lhe dar de presente ainda melhor : a Bíblia Sagrada. nela aprenderás o amor a Deus e a fazer bem , não pelo prazer da recompensa, mas pela gratidão e pelo dever de consciência.
Corroído de remorso, o filho caiu em profundo pranto.
E a carta finaliza assim :
"Como é triste a vida dos que não sabem perdoar. Isso leva a erros terríveis e a um fim ainda pior. Antes que seja tarde, perdoe aquele a quem você pensa ter lhe feito mal. Talvez se olhar com cuidado,vai ver que há também um cheque escondido".
Efésios 4:32 Antes sede uns para com os outros benignos, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus vos perdoou em Cristo.

domingo, 27 de novembro de 2011

QUE DIREMOS, POIS?

Romanos 8.31-39

Romanos 8 é um dos mais extraordinários capítulos do Novo Testamento. É para todo cristão saber de cor.
O apóstolo Paulo faz esta pergunta sete vezes nesta epístola (Romanos 3.5, 4.1, 6.1, 7.7, 8.31, 9.14, 9.30).

1
Que diremos diante da verdade segundo a qual todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus?
Diremos que continuaremos amando a Deus, para que confiemos que Ele fará que todos os fatos de nossa vida concorram para o nosso bem. Afinal, Ele nos deu Jesus Cristo para nos salvar.
Esta é a nossa certeza, derivada da promessa bíblica: que todas as coisas da nossa vida, tanto as duras quanto as felizes, serão transformadas em servas de nosso bem, como ocorreu com José (que disse aos seus irmãos, que o tinham vendido como escravo: "Não foram vocês que me mandaram para cá, mas sim o próprio Deus" -- (Gênesis 45.8).
Todas as coisas cooperam para nos fazer com que nosso coração, despertado pelo Espírito Santo nele, alcance mais da graça, da glória e da presença de Deus.

2
Que diremos diante da verdade do amor de Deus, que nos conhece desde a eternidade, nos predestina para sermos conforme a imagem de Jesus Cristo, nos chama, nos justifica e nos glorifica, que é a ordem como Deus vê as coisas, ou nos conhece, nos chama, nos justifica, nos glorifica e nos predestina para sermos conforme a imagem de Jesus Cristo, que é a ordem na história humana?

Eis um excelente esquema para entender o assunto:

ORDEM DIVINA DA SALVAÇÃO
Deus nos conhece
Deus nos predestina para sermos conforme a imagem de Jesus Cristo
Deus nos chama
Deus nos justifica
Deus nos nos glorifica

ORDEM HUMANA DA SALVAÇÃO
Deus nos conhece
Deus nos chama
Deus nos justifica
Deus nos nos glorifica
Deus nos predestina para sermos conforme a imagem de Jesus Cristo
(Cf. SCHALKWIJK, Francisco Leonardo. Confissão de um peregrino: para entender a eleição e o livre-arbítrio. Viçosa: Ultimato, 2002.)

Diremos que continuaremos amando a Deus, porque o nosso amor é a nossa resposta ao Seu amor. Ele nos amou primeiro (1João 4.19) e amou a todo o mundo (João 3.16). No entanto, os beneficiários desta promessa são as pessoas que amam a Deus. O primeiro e grande mandamento é que amemos a Deus (Deuteronômio 30.6), sabendo que o que Ele nos preparou vai além do que podemos ver, ouvir e imaginar (1Coríntios 9.2). "Deus é poderoso para fazer acrescentar em vós toda a graça, a fim de que, tendo sempre, em tudo, toda a suficiência, transbordeis em toda boa obra" (2Coríntios 9.8). "Ora, àquele que é poderoso para fazer tudo muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos, segundo o poder que em nós opera (Efésios 3.20). "Por esta razão sofro também estas coisas, mas não me envergonho; porque eu sei em quem tenho crido, e estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele dia" (1Timóteo 1.12). Deus é "poderoso para vos guardar de tropeçar, e apresentar-vos ante a sua glória imaculados e jubilosos" (judas 24).

Será que Deus só ama a quem o ama?
Sim: o amor salvador é aqueles que o desejam.


3
Que diremos diante da verdade que nenhuma acusação, condenação ou execução nos separa do amor de Cristo?
Diremos que continuaremos afirmando que, uma vez que Deus é por nós, ninguém triunfará no seu intento contra nós, pois nada, nem mesmo a morte, nos pode privar do amor de Deus.

Diante da acusação: uma vez que Deus é por nós, quem nos acusará? "Então, ouvi uma grande voz no céu, que dizia: Agora é chegada a salvação, e o poder, e o reino do nosso Deus, e a autoridade do seu Cristo; porque já foi lançado fora o acus]dor de nossos irmãos, o qual diante do nosso Deus os acusava dia e noite" (Apocalipse 12.10).

Diante da condenação: uma vez que Deus é por nós, quem nos condenará? "Portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus" (Romanos 8.1). "Se o coração nos condena, maior é Deus do que o nosso coração, e conhece todas as coisas" (1João 3.20).

Diante da execução: uma vez que Deus é por nós, quem nos separará do amor de Cristo?

Também oraremos para que a nossa visão acerca do que Deus faz não fique restrita ao curso prazo de nossos desejos, mas na justa distância de nossas necessidades. Afinal, trabalha para satisfazer nossas necessidades, não nossos desejos.


4
Que diremos diante da verdade que Jesus nos torna mais que vencedores?
Diremos que desejamos ser tornados iguais a Cristo, que experimentou a fraqueza (da cruz) para ter o poder (da ressurreição).
Para alcançar a beleza, o triufo e a glória de Romanos 8, sabemos que precisamos experimentar a luta e as dores dos capítulos 6 e 7. Não queremos o Pentecoste antes do Calvário, porque sabemos que a plenitude do Espírito só é possível após termos experimentado a a cruz de morte. Nossos sofrimentos devem ser vistos como uma prova de nossa união com Cristo e não um motivo para duvidarmos do seu amor.
A esperança do crente não é que escapará da angústia, do perigo, da fome ou da morte; Deus não promete que o sofrimento não vai nos afligir, mas que não vai nos separar do amor de Cristo. A promessa é que Todo Poderoso fará com que cada uma destas agonias se torne em instrumento de sua misericórdia para conosco. Nossa esperança está firmada no amor de Deus, sob Quem está toda a criação.

"Tenho-vos dito estas coisas, para que em mim tenhais paz. No mundo tereis tribulações; mas tende bom ânimo, eu venci o mundo" (João 16.33).
"Eu vos escrevi, meninos, porque conheceis o Pai. Eu vos escrevi, pais, porque conheceis aquele que é desde o princípio. Eu escrevi, jovens, porque sois fortes, e a palavra de Deus permanece em vós, e já vencestes o Maligno" (1João 2.14).
"Filhinhos, vós sois de Deus, e já os tendes vencido; porque maior é aquele que está em vós do que aquele que está no mundo" (1João 4.4).
"Todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé. Quem é o que vence o mundo, senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus?" (João 5.4).
Blog de rafaelababy : ✿╰☆╮Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄ƷTudo para orkut e msn, Perfis feminino
Ser feliz não é ter uma vida perfeita. Mas usar as lágrimas para irrigar a tolerância. Usar as perdas para refinar a paciência. Usar as falhas para esculpir a serenidade. Usar a dor para lapidar o prazer. Usar os obstáculos para abrir as janelas da inteligência. Augusto Cury
- Chamar alguém de feio, não te deixa mais bonito; ficar sem comer não te deixa um palito; excluir uma pessoa não te torna mais popular; não são as marcas que vão te rotular; chingar alguém de gordo não te emagrece; dizer que uma pessoa é triste não traz felicidade; falar que alguém é fraco não te fortalece; dizer que uma pessoa é metida não te traz a humildade; falar que alguém é insignificante não te engrandece; dizer que uma pessoa é falsa não te leva à verdade; dinheiro não compra felicidade; conhecer muita gente não é o mesmo que ter amigos; ser famoso é diferente de ser querido; sexy não é o mesmo que vulgar; atração é diferente de AMAR.
'Que cada um cuide do que vê. Que cada um cuide do que diz.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Quero pra ontem.

parar e pensar...
"Nosso grande medo não é o de que sejamos incapazes.
Nosso maior medo é que sejamos poderosos além da medida. É nossa luz, não nossa escuridão, que mais nos amedronta.
Nos perguntamos: "Quem sou eu para ser brilhante, atraente, talentoso e incrível?" Na verdade, quem é você para não ser tudo isso?...Bancar o pequeno não ajuda o mundo. Não há nada de brilhante em encolher-se para que as outras pessoas não se sintam inseguras em torno de você.
E à medida que deixamos nossa própria luz brilhar, inconscientemente damos às outras pessoas permissão para fazer o mesmo".

(Discurso de posse, em 1994)
Nelson Mandela
. abraço é o encontro de dois corações (L)

A minha vida hoje em dia, é só alegria... eu não posso negar

PROCURA-SE: vontade de acordar cedo amanhã.
Em cada detalhe, Deus mostra sua perfeição.
Existem muitas palavras para humilhar uma pessoa, mas só o silêncio a destrói por completo.

Nutrindo sonhos...

Bom humor foi passear e não sei se volta, então já sabe né.

Luz não fala, brilha. (:

Fui abençoada com um coração meiguíssimo e em contrapartida com um pavio bem curto. Exatamente igual a um vidro. Se me jogar no chão, eu quebro .. Mais se me pisar, te corto.

( Martha Medeiros )
Não vamos tratar de correr antes de andar. Esta vida é igual a um livro, cada pagina é um dia vivido.
Confiar em Deus é, assinar uma folha em branco e deixar que ele escreva a sua hitória !

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Sua máscara um dia vai cair! Afinal toda COBRA troca de pele! #AiComoEuToMaléfica
...é só dizer para a dificuldade, veja o tamanho do meu Deus!"(8)
Não sou de ferro, eu sinto; não sou de pedra, me machuco.
http://andrezamenezes.blogspot.com/search?updated-max=2011-07-21T18:14:00-07:00&max-results=7
No momento em que olhar para o céu a as estrelas brilharem,este é o momento que seus sonhos estão sendo preparados para a realidade!!!

Pra você , o que seria impossível ?

Se você hoje em dia chegar para alguém, e perguntar o que significa o impossível para ela, terão muitas explicações, razões e até histórias. A impossibilidade de algo acontecer em nossas vidas faz com que a nossa idéia de que o nosso objetivo que traçamos é inalcançável, inatingível. Seja por conta do medo, de condições, - tanto financeiras quanto psicológicas - ou até medo de seu objetivo não estar perto de você.
Mas o impossível não é questão de opnião . O que é impossível para uns, para outros não é.
Você acha impossível uma pessoa estar morta, e ela ressuscitar ?
Você acha impossível alguém acalmar o vento e o mar com apenas uma palavra ?
Você acha impossível devolver a visão a um cego ?
Você acha impossível alguém morrer pregado em uma cruz, e ressuscitar três dias depois ?

Nunca julgue algo impossível aos seus olhos, pois quando o que um momento era difícil, se torna praticamente impossível, Deus começa a agir por nós, de acordo com a nossa fé .
Na Bíblia fala que que existem muitos planos para nós, e que tudo se cumprirá conforme o tempo, por mais que durem dias, semanas ou anos, mas o fato da ansiedade e falta de fé faz com que achemos coisas em nosso caminho que nos deparamos e achamos que é a certa. Mas tudo que aos nossos olhos são impossíveis, aos olhos de Deus são possíveis !


Mas ele respondeu: As coisas que são impossíveis aos homens são possíveis a Deus. ( Lucas 18:27 )

Minha Aparência

... é motivo de críticas , muitas vezes elogios , mas as críticas que ouço sobre como eu me visto, como eu sou, como eu brinco com as pessoas, como eu falo e até como eu sorrio . Falam de mim porque não me visto como uma jovem do século passado , não ando com saias que batam nos pés ou blusas de manga longa . SIM , eu me visto com saias até o joelho , não vivo cantando hinos 24 horas , não sei toda a bíblia decorada, mas costumam me julgar sem saber como está a minha relação com Deus . Não sabem de como eu vivo com ele , pra Ele . Não sabem de como eu converso, de como eu preciso, de como eu choro nos pés D'Ele toda noite, por vários motivos .
Porém o SENHOR disse a Samuel: Não atentes para a sua aparência, nem para a sua altura, porque o rejeitei; porque o SENHOR não vê como vê o homem. O homem vê o exterior, porém o SENHOR, o coração . ( 1 Samuel 16:7 )


O homem está acostumado a olhar as pessoas pela aparência, sem ao menos conhecer o seu interior, e ver que tudo o que está no coração contradiz à famosa '' primeira impressão '' , apenas o cristão tem que tomar cuidado para não virar um escravo da vaidade . Tudo para Deus é para ser feito com ordem e decência, mas como isso não se enquadra no pensamento de todos os cristãos, têm sempre aqueles que não concordam com o novo padrão de como se vestem atualmente .


(...) porque o SENHOR esquadrinha todos os corações e penetra todos os desígnios do pensamento (...) ( 1 Crônicas 18:9 )


Deus sabe tudo o que está dentro do nosso coração, da nossa mente. Ele nos entende e sabe que por trás de uma pessoa aparentemente diferente das outras, eciste uma pessoa com propósito infindável e incessável de adorá-lo, mediante todas as circunstâncias que somos obrigados a passar todos os dias, mas sabemos que ao final de tudo sempre temos Ele para nos abrigar.
Existem muitos cristãos dentro da igreja com uma roupa limpa, alva, mas fora dela mostram o coração imundo que há dentro deles .
O que importa é que a nossa sincera adoração chegue a Deus como cheiro aprazível à suas narinas, e que sempre possa ter um verdadeiro adorador dentro de nós !
(...) Achei Davi, filho de Jessé, homem segundo o meu coração, que fará toda a minha vontade. ( Atos 13:22 )

Não gosto do que tenho

Acho que isso pra mim não serve , não está à altura do que eu mereço. Tudo que recebo não é apropriado para mim, pois minhas necessidades são sempre maiores do que o que me dão . Este é o pensamento de muitas pessoas por não se conformar com aquilo que têm e sempre querer mais, buscar mais, até chegar ao ponto de muitas vezes invejar algo . Ter inveja significa que não estamos satisfeitos com o que Deus tem nos dado .

Na própria Bíblia existem passagens que deixam a existência da inveja clara , por exemplo , na história de Raquel, pois ela não dava filhos a Jacó, invejava sua irmã ( Gênesis 30:1 ) e de tão grande inveja que ela tinha , pedia filhos a Deus senão queria morrer .
Outro exemplo mais conhecido é da história de Esaú e Jacó, filhos de Isaque e Rebeca . Isaque já estava velho, não podia mais enxergar , portanto chamou Esaú e pediu para que o trouxesse uma de suas caças para se alimentar, entretanto Jacó estava à espreita ouvindo tudo que seu pai falava para seu irmão. Rebeca vestiu Jacó com pêlos para se passar por Esaú e tomar sua bênção, Isaque, que não podia mais ver, o abençoou pensando que era Esaú . Findou Isaque abençoando ao seu irmão , e dizendo a Jacó que serviria a seu irmão . ( Gênesis 27:40 )


Como escrito aqui, a inveja e a falta de capacidade de muitos faz com que muitas pessoas , até mesmo dentro da igreja , pequem pelo fato de um irmão ter recebido algo da parte de Deus, e ele não . O tempo de Deus para nossas vidas não somos nós quem cronometramos, mas sim Ele sabe o tempo certo de dar algo tão esperado a nós, pois se formos atrás e querermos tudo antes, podemos perder o que Deus tem pra nos dar por não saber usar de maneira correta . Muitos se tornam até vangloriosos, por conta de receberem algo tão grande e valioso da parte de Deus, de poder chegar ao ponto de dar motivos para seu irmão sentir inveja . Em Gálatas 5:26 diz para não nos tornarmos vangloriosos, provocando-nos uns aos outros e invejando-nos uns aos outros.

O sentimento sadio é vida para o corpo, mas a inveja é podridão para os ossos . ( Provérbios 14:30 )

O que os dedos digitam , o coração esconde ...

Escrevo para disfarçar a dor. Encubro tudo que estou sentindo com um largo e espesso sentimento de falsa alegria. Escrevo para expressar tudo que minha boca não é capaz de emitir, sons que são presos na garganta e que de lá não passam. Transmito aos meus dedos toda a capacidade de exprimir o que está congestionado dentro do meu ser, que me faz mudar de humor, que causa as expressões pálidas e sombrias constantemente aparentes no meu rosto.
Sorrisos ? Apenas forço os músculos da minha face para enganar temporariamente quem me rodeia. Para enganar a mim mesma.
E consigo. Durante alguns segundos me vêm um êxtase, uma overdose momentânea de alegria, mas fico ciente que aquilo brevemente passará, sei que o que me consome continuamente é bem maior que qualquer sorriso que possa aparecer repentinamente em minha boca .
Sinto-me assim, quando, por motivos banais esqueço de quem nunca esqueceu de mim nem sequer um minuto, que apesar das minhas falhas e pecados sempre está lá, com sua mão estendida pra me ajudar, me consolar.
Sei muito bem que não sou capaz de continuar vivendo assim, que não tenho motivos para continuar com essa tristeza, mas tudo que me rodeia me faz ficar mal, e quando todas as pessoas que estão ao meu lado me põem pra baixo, Ele vem lá de cima e me faz erguer novamente, reconhecendo quem eu sou .
Sei que não há motivos para ficar triste quando estou com Ele, mas meus erros pesam em minha consciência e fazem reconhecer que não sou digna de tanto amor.
Só tenho a agradecê-lo por nunca desistir de mim, e sempre me ajudar a continuar em frente.

, Apenas dê o seu melhor .

No livro de 1 Reis 17:8 , relata a história de uma viúva que morava em Sarepta, que foi visitada pelo profeta Elias ( 1 Reis 17:1 ) . Ela estava à porta da cidade quando Elias chegou e pediu a ela um pouco de água para beber . E ele também pediu um bocado de pão para comer, pois estava cansado da jornada. Porém a viúva o falou que não tem nada, apenas um punhado de farinha em uma panela e um pouco de azeite numa botija, e tinha acabado de apanhar lenha para cozinhar para comer com seu filho, e em seguida morrer .
Elias disse : '' Não temas; vai, faze conforme à tua palavra; porém faze dele primeiro para mim um bolo pequeno, e traze-mo aqui; depois fará para ti e para teu filho. Porque assim diz o Senhor Deus de Israel: A farinha da panela não se acabará, e o azeite da botija não faltará ... '' ( 1 Reis : 13,14 )


E assim foi feito, da panela a farinha não se acabou, e da botija o azeite não faltou, conforme o que Deus tinha dito.

Aquela viúva não se importou se iria faltar alimento para ela e para seu filho, pois Deus a garantiu que nada iria lhe faltar, se primeiro ela servisse ao profeta . E assim também é hoje em dia. Nós muitas vezes esquecemos de dar o nosso melhor a Deus, nos esquecemos de oferecer tudo que temos a Ele, colocando na nossa frente nossos planos e projetos. Certamente, se nos colocássemos no lugar daquela viúva, não daríamos a nossa última refeição para um homem desconhecido e ficaríamos com fome, correto ? Mas aquela mulher creu que Deus não havia abandonado ela , e fez conforme o que Elias a falou .
Mas se nós lançarmos todas as nossas ansiedades e entregarmos todos os nossos sonhos a Deus, sem medo do que poderá acontecer futuramente, Ele realizará tudo que foi determinado para nós. Sonhos maiores que os nossos e planos grandiosos que ele traçou para cada um.
Portanto, nunca tema em oferecer a Deus tudo o que você tem, pois ele te dará tudo o que pedires, ou algo maior que ele tem preparado para você !
E disse-me mais: Está cumprido. Eu sou o Alfa e o Omega, o princípio e o fim. A quem quer que tiver sede, de graça lhe darei da fonte da água da vida. ( Apocalipse 21:6 )

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Minha Nossa Senhora das Bicicletinhas dos Parafuso Frouxo ! Dai-me Equilíbrio!

A gente não se liberta de um hábito atirando-o pela janela, é preciso fazê-lo descer a escada, degrau por degrau.

“O meu mandamento é este: que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei.” (Jesus Cristo)

As coisas vão começar a acontecer quando você começar a acreditar.

Ninguém é tão grande que não possa aprender, nem tão pequeno que não possa ensinar.

“QUANDO ALGUÉM TE AMA, A FORMA DE FALAR SEU NOME É DIFERENTE"

Um amigo de verdade é capaz de entender um olhar,um sorriso e até um momento de silêncio.

Oh! que saudades que tenho, da aurora da minha vida, da minha infância querida que os anos não trazem mais!" Cassimiro de Abreu


"Quem se apaixona por si mesmo não tem rivais." (Benjamim Franklin)

"Ame profunda e passionalmente. Você pode se machucar, mas é a única forma de viver o amor completamente." (Dalai Lama)

Sinto saudades de quem não me despedi direito, das coisas que deixei passar.

Os namoros passam e os amigos ficam. Sempre.

A minha consciência tem para mim mais peso do que a opinião do mundo inteiro. ( Cícero )


As vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido." (Fernando Pessoa


"Ah o amor... que nasce não sei onde, vem não sei como e dói não sei porque..." (Carlos Drumond de Andrade)

"Ei! Você... não vá embora. Eu preciso dizer-lhe que... te adoro, simplesmente porque você existe". (Charles Chaplin)

Na caminhada do dia-dia, a pessoa certa é aquela que está definitivamente ao seu lado.




Quando lhe faltar palavras deixe que seu coração demonstre tudo que você tem guardado


Ouçamos, isto sim, a voz de Deus nas tempestades e nos desertos da vida: "Não pasmes, não te espantes, pois Eu serei contigo por onde quer que andares


"Tão bom morrer de amor... E continuar vivendo". ( Mário Quintana )




O amor... Ah, o amor... O amor quebra barreiras, une facções, destrói preconceitos, cura doenças...

Se podemos sonhar, também podemos tornar nossos sonhos realidade." (Walt Disney)

Animais são anjos disfarçados, mandados à terra por Deus para mostrar ao homem o que é fidelidade

LEALDADE: Qualidade de cachorro que nem todas as pessoas têm.

"A saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar". (Rubem Alves)


Devemos orar sempre. Não até Deus nos ouvir, mas até que possamos ouvir a Deus."



"Confia no Deus eterno de todo o seu coração e não se apóie na sua própria inteligência. Lembre-se de Deus em tudo o que fizer, e ele lhe mostrará o caminho certo." (Prov. 3:5-6)


Quando fizeres algo nobre e belo e ninguém notar, não fique triste, pois o sol toda manhã faz um lindo espetáculo e no entanto, a maioria da platéia ainda dorme... " (John Lennon


Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim


"Sempre que houver alternativas tenha cuidado. Não opte pelo conveniente, pelo confortavel, pelo respeitável, pelo socialmente aceitável, pelo honroso. Opte pelo que faz o seu coração vibrar. Opte pelo que gostaria de fazer, apesar de todas as consequências." (Osho)

Quero, um dia, poder dizer às pessoas que nada foi em vão... Que a vida é bela sim, e que eu sempre dei o melhor de mim… E que valeu a pena." (Mario Quintana)

“A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isto, cante, sorria, dance, chore e viva intensamente cada momento da sua vida. Antes que a cortina se feche, e a peça termine sem aplausos.” (Charles Chaplin

"Faça o que for necessário para ser feliz. Mas não se esqueça que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade."(Mário Quintana

"Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade." (Carlos Drummond de Andrade)


Procure os seus caminhos, mas não magoe ninguém nessa procura. Arrependa-se, volte atrás, peça perdão! Não se acostume com o que não o faz feliz. Revolte-se quando julgar necessário. Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas


Já chorei ouvindo música e vendo fotos, já liguei só para escutar uma voz, me apaixonei por um sorriso, já pensei que fosse morrer de tanta saudade e tive medo de perder alguém especial (e acabei perdendo)

Bom mesmo é ir à luta com determinação,abraçar a vida com paixão, perder com classe e vencer com ousadia, porque o mundo pertence a quem se atreve e a vida é “muito” pra ser insignificante."(Charles Chaplin)

O fracasso só surge para aqueles que desistem. No momento da desistência é que a partida realmente termina

"Quando, na vida, uma porta se fecha para nós, há sempre outra que nos abre. Em geral, porém, olhamos com tanto pesar e ressentimento para a porta fechada, que não percebemos a outra que se abriu."(Orison S.Marden

"Imagine uma nova história para sua vida e acredite nela." (Paulo Coelho)



....QUANDO ME AMEI DE VERDADE, Comecei a me livrar de tudo que não era saudável ... pessoas, tarefas, tudo e qualquer coisa que me colocasse para baixo. De início, minha razão chamou essa atitude de egoísmo... Hoje sei que se chama... AMOR PRÓPRIO!!! (Charles Chaplin


Acredite! Espere! Sempre haverá uma saída, sempre brilhará uma estrela. Chore! Lute! Faça aquilo que gosta, sinta o que há dentro de você." (Charles Chaplin



Aceite! A vida, as pessoas, faça delas a sua razão de viver. Entenda! Entenda as pessoas que pensam diferente de você, não as reprove". (Charles Chaplin)
-
"Nenhuma luta haverá jamais de me embrutecer, nenhum cotidiano será tão pesado a ponto de me esmagar, nenhuma carga me fará baixar a cabeça. Quero ser diferente. Eu sou. E se não for, me farei."
'Que cada um cuide do que vê. Que cada um cuide do que diz.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Caro humano, você fica bravo se eu te acordo e fica bravo se eu não te acordo. Estou confuso. Ass: seu despertador.

Eu acho, que Deus deu Ctrl+C e Ctrl+V nos Japoneses.kkkkkkkkkkkk

P: Qual é a panela que você usa quando está triste? R: A De-pressão.

Noé cantando: Lá na arca tinha um peru. E o peru gluglu,e o galo corococó,e a galinha có, e o pintinho piu, e o pintinho piu... kkkkkkk

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

O melhor que temos a fazer é plantar o nosso jardim e decorar a nossa alma.
'' ... E mesmo que meus passos sejam em falso, e mesmo que os meus
caminhos sejam os errados, e mesmo que meu jeito de levar a vida te
incomode, eu sei quem sou, e sei pelo que devo lutar! Se você acha que
meu orgulho é grande, é porque nunca viu o tamanho da minha Fé.
O medo me leva ao perigo. E tudo que eu amo é arriscado.
é essencial manter a essencia, Feeeliiz ♪
Os sentimentos não precisam de motivos, nem os desejos de razão
Eu sou aquela mulher que fez a escalada da montanha da vida, removendo pedras e plantando flores ... ( Cora Coralina)
Uma boa noite a todos, queridos '' quando me deito logo adormeço porque a segurança do meu sono vem só de vós Senhor! '' Salmo para meditar.
Eu queria tanto ter, asas e poder voar. ♫

Sou pessoa de dentro pra fora. Minha beleza está na minha essência e no meu caráter. Acredito em sonhos, não em utopia. Mas quando sonho, sonho alto. Estou aqui é pra viver, cair, aprender, levantar e seguir em frente.
Sou isso hoje...
Amanhã, já me reinventei.
Reinvento-me sempre que a vida pede um pouco mais de mim.
Sou complexa, sou mistura, sou mulher com cara de menina... E vice-versa. Me perco, me procuro e me acho. E quando necessário, enlouqueço e deixo rolar...
Não me dôo pela metade, não sou tua meio amiga nem teu quase amor. Ou sou tudo ou sou nada. Não suporto meio termos. Sou boba, mas não sou burra. Ingênua, mas não santa. Sou pessoa de riso fácil...e choro também!"
(Tati Bernardi)
As vezees queem menos demonstra é quem mas sentee *--*
௰,
Quando a gente tem fé, Deus multiplica as coisas boas em nossa vida
Quando a gente tem fé, Deus multiplica as coisas boas em nossa vida

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

- ... ~ # Eae por onde tem andado ?Pelo chão, não aprendi a voar ainda! ! - - ~*-•
O que eu fiz, eu não desfaço, as paredes tem
câmeras, registrando cada passo ;* literalmente, não lamento do que fiz e faço
o que deixei de fazer, abstraio, mando pro espaço o que falo vem da alma, e
passo para mente alheia ; me honro do que sou, o sangue pulsa forte em minha
veia ! ♥
Pensa numa pessoa ciumenta, dramática, estranha, ás vezes chata, teimosa, difícil de entender, feliz e infeliz. Pensou? Então, sou eu.
Clarice Lispector
▬ Instruir-te-ei e ensinar-te-ei o caminho que deves seguir, guiar-te-ei com os meus olhos. Salmos 32:8 ♥
. se é verdadeiro, não existe um final feliz e sim um pra sempre .! ,
Acordar cedo é tão bom quanto cólica em TPM

Parei de tratar como coca-cola quem me trata como kisuco;

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Eu qero um poco de solidão! Estou precisando apenas de um espaço para chamar de meu..
É um daqueles momentos,
onde tudo que desejo é um
pouco de solidão.. Quero estar comigo mesma e tentar me entender..
Gritar ou ficar em silêncio !

sábado, 12 de novembro de 2011

A Minha Infancia

Misturava vários shampoos, pra tentar fazer um novo.

Quem nunca disse "Eu vou contar para minha mãe" quando criança não sabe o que é intimidar alguém!

Desenhar um relógio no braço, com caneta, e ser sentir pontual

Dedão ficar de mal, e dedinho ficar de bem

Quem nunca falou ''enganei o bobo na casca do ovo'' não teve infância.

- Sai dai que o pique é meu foi a onça q me deu - Pico pico lé saio a hora que eu quiser


Sempre querer ser o professor quando brincava de escolinha.

Quem nunca torceu pro coyote pegar o papaléguas?

Dormia no sofá e acordava na cama

Um homem bateu na minha porta e eu a-bri. Senhoras e senhores ponham a mão no chão. Senhoras e senhores pulem de um pé só...♪''
(..)

A felicidade aparece para aqueles que choram, para aqueles que se machucam e para aqueles que buscam e tentam sempre !

Clarice Lispector.
Se chorei ou se sofri. O importante é que o ano ta acabando.

Tô mais fraco que choque de pilha palito.

Eu te preciso. Perto, longe, tanto faz.” (Caio Fernando Abreu)

Não basta tropeçar... tem que olhar para trás e xingar o chão!
Mãe, eu sou bonito?” “Filho, você tem saúde, agradeça a Deus!

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Rir...

Previsão do tempo: Pancadas de chuvas com trovoadas somente em cima da minha cabeça.

Cada modinha de hoje, é uma ridicularidade a mais no futuro.

Preciso ir. A vida me chama.

Preciso ir. A vida me chama.

Esse naipe do José Mayer diz que ele não vai pegar muita mulher na novela

Vem meu mel meu pão de céu, meu bem querer

#FalarDeMimEFacil difícil é eu saber quem é o FDP que fala

Segunda feira e segunda voz, a gente tem que aturar, não tem jeito.

Pessoas que só te procuram quando precisam. Prefiro que fiquem no Zoológico.

Fazei o bem sem olhar a Ken (Barbie)
Aquelas pessoas que falam: "Nossa! você fica 24 horas online!" - Se ela vê é porque também fica, né? ahhh povo preocupado com minha vidaaaa.

Não há inveja que suporte um sorriso : )

..Ainda é cedo e eu preciso de amor. Só um pouquinho de amor... Quero que ele veja o quanto mudei por causa dele, na esperança de que seu riso congelado saia do automático e eu ganhe um único sorriso verdadeiro... Talvez meu amor tenha aprendido a ser menos amor só para nunca deixar de ser amor..."

- Tati Bernardi

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Minha paciência hoje está mais curta que roupa de piriguete.

Como a Lua está linda hoje. Mas gente Não confiem na Lua ela traiu a Joelma do Calypso

Se vida fosse fácil, não se chamaria vida ! Se chamaria Piriguete!

Preguiça !! Sai desse Corpo que não te pertence! ! JÁ

Acho que o Horario político é feito pra gente economizar Energia elétrica, pois todo mundo desliga a TV quando tá passando
http://www.apessoa.com.br/pdf/pressbook.pdf

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O amor vai permanecer, mesmo que as palavras sejam esquecidas, que a presença não seja constante e que os caminhos sejam diferentes


Não basta tropeçar... tem que olhar para trás e xingar o chão!


Quando perguntarem do que mais gostei, vou dizer que foi de Com o sensato esteja o teuvocê." (Cidade dos Anjos)
‎"Não se concentre tanto nas minhas variações de humor, apenas insista em mim. Se eu calar, me encha de palavras, me faça querer dizer outra e outra vez sobre você, sobre nós, e todo esse amor. Se eu chorar, não me faça muitas perguntas, não precisa nem secar minhas lágrimas. Só me diz que você continuará comigo pra tudo, que tenho teu colo e teu carinho. E ainda que te doa me ver assim, me envolva nos teus braços e diga que eu posso chorar, mas que você não sairá dali enquanto eu não sorrir. Porque é isso que nos importa, não é? O sorriso um do outro."

Te amo, nego!

O ser transcede a aparência, assim que você começa a descobrir o ser que há por trás de um rosto muito bonito ou muito feio, de acordo com seus conceitos e preconceitos, as aparências superficiais somem até simplesmente não importarem mais.


A Cabana
"...Não sei quanto tempo este sonho vai durar, mas resolvo viver cada momento como se fosse o último."

Paulo Coelho.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

~

“O Senhor nos chama a sermos anunciadores da sua paz, a vivermos e proclamarmos a sua Paz. A levarmos com a nossa vida, com a nossa palavra e com o nosso testemunho, o Shalom de Deus aos corações; a sermos instrumentos de reconciliação do mundo com Deus; a anunciarmos com todo o nosso coração, com todas as nossas forças a salvação de Jesus Cristo e o seu Evangelho (...). O mundo só encontrará a Paz se encontrar Jesus, e é este Jesus que nós devemos proclamar em todo o tempo e lugar. Para instaurar a paz nos corações e no mundo, o Senhor nos chama a anunciar Jesus Cristo e a formar autênticos filhos de Deus. Devemos levar a todos aqueles a quem o Senhor nos enviar o que Ele ordenou quando enviou os seus discípulos: “Paz a esta casa”, e ali, pelo poder de Jesus, estabelecer a paz, anunciando o Evangelho, o Reino de Deus que está próximo, curando os enfermos, derramando o Espírito Santo, estabelecendo assim o Shalom de Deus. Devemos ser a voz do Cristo ressuscitado que faz da sua primeira palavra aos apóstolos um anúncio de paz , pois, Vitorioso, Ressuscitado, cheio de autoridade e poder, Ele é a única paz para o coração do homem:
“Cristo é a nossa paz .”
"Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos Para mudar o que somos." - E. Galeano
“Sou a grande mulher.Sou a pequena indefesa.Defendo meus ideais,estou fora de quaisquer padrões de beleza.Infelizmente sou sincera,isso pra mim é um defeito,porque atualmente vivemos em um mundo de mentiras.Não sou rejeitada pela sociedade,porque finjo o que não sou.Tenho toda liberdade de expressar o meu amor.Mas que amor?O amor hoje em dia morreu,e com ele levou meus puros sentimentos...“
Eu, porém, confiarei no Senhor; esperarei no Deus da minha salvação. O meu Deus me ouvirá. (Miquéias 7:7) ♥
Quero ficar com a espera e a lembrança. O resto, que venha. Quando quiser, quando puder, quando tiver que
vir.
“Quando o impulso é sincero e vem do coração, devemos reconhecer, aí está a magia. O amor verdadeiro nos fará sentir que dando um salto tocamos a Lua.”
‎"Ninguém consegue ligar os pontos olhando adiante... Não perca a fé!"
Steve Jobs
1 - 'Deus não escolhe pessoas capacitadas, Ele capacita os escolhidos.' 2 - 'Um com Deus é maioria.' 3 - 'Devemos orar sempre, não até Deus nos ouvir, mas até que possamos ouvir a Deus.' 4- 'Nada está fora do alcance da oração, exceto o que está fora da vontade de Deus.' 5- 'O mais importante não é encontrar a pessoa certa, e sim ser a pessoa certa.' 6 - 'Moisés gastou: 40 anos pensando que era alguém; 40 anos aprendendo que não era ninguém e 40 anos descobrindo o que Deus pode fazer com um NINGUÉM.' 7 - 'A fé ri das impossibilidades.' 8 - 'Não confunda a vontade de DEUS, com a permissão de DEUS. 9 - 'Não diga a DEUS que você tem um grande problema. Mas diga ao problema que você tem um grande DEUS.'
Disse Rapunzel: tenho medo de não saber o que fazer depois que meu sonho se realizar!
- "Esse é o segredo, buscar novos sonhos!"
As vezes é preciso perder, para dar valor . É preciso chorar, para aprender a amar. É preciso confiar, para se entregar e ainda assim a grande verdade é que, é preciso ouvir para nunca gritar. Todos irão sofrer um dia para saber o verdadeiro sentido da felicidade. Muitas vezes deixamos de lutar pelo que realmente queremos pelo simples fato de não estarmos preparados para ouvir não. Errar é humano, perdoar é preciso, e correr atrás daquilo que realmente queremos é uma obrigação. Viva, ame, pense, erre, caia, levante. E depois do erro corra atrás de refazer o seu acerto, faça tudo o que desejar fazer, diga te amo sem medo de não ouvir isso depois, aproveite a vida. Nunca se sabe o dia de amanhã. (:

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Não confunda fragilidade com inocência. Não se esqueça que o vidro é frágil, mas altamente perigoso.
- Tem tanta gente interessante por aí querendo entrar. Deixa. Deixa entrar : na vida , no coração, na cabeça. (Caio Fernando Abreu)

(L).
'Aprende que quando está com raiva tem o direito de estar com raiva, mas isso não te dá o direito de ser cruel. Descobre que só porque alguém não o ama do jeito que você quer que ame, não significa que esse alguém não o ama, contudo o que pode, pois existem pessoas que nos amam, mas simplesmente não sabem como demonstrar ou viver isso.
Aprende que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes você tem que aprender a perdoar-se a si mesmo. Aprende que com a mesma severidade com que julga você será em algum momento condenado. Aprende que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido, o mundo não pára para que você o conserte. Aprende que o tempo não é algo que possa voltar para trás.

Portanto... Plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe traga flores. E você aprende que realmente pode suportar... que realmente é forte, e que pode ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais. E que realmente a vida tem valor e que você tem valor diante da vida!
William Shakespeare
Deus segura nossas mãos e nos conduz ao lugar certo. É só confiar e esperar.
Onde estiver seja la como for, tenha fé,
porque ate no lixão nasce Flor!
Que o amor sempre fica. Que o esforço sempre é recompensado. Que a gente sempre aprende e que, principalmente, o mundo sempre dá voltas.

- Porque para todo propósito há tempo e modo. (Ec.8:6)

"Deus sabe o que realmente a gente precisa. Bem no momento certo Ele vai lá e faz..."

Quem gosta por dois, padece por três!

... Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas pra deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim: que seja doce. Quando há sol, esse sol bate na minha cara amassada do sono ou da insônia, contemplando as partículas de poeira soltas no ar, feito um pequeno universo, repito sete vezes para dar sorte: que seja doce que seja doce que seja doce e assim por diante. Mas, se alguém me perguntasse o que deverá ser doce, talvez eu não saiba responder. Tudo é tão vago como se fosse nada (...)
Dona de três vidas:
- Da minha que é minha mesmo;
- Da que o povo fala;
- E da que Mãe pensa.
"Ainda que eu não ouça a voz de Deus, e as madrugadas sejam frias e geladas, espero pelo nascer de sol mais lindo de todos, pois Deus pode se calar, mais nas noites mais escuras eu sei que Ele me ama então aguardo a voz d'Ele porque para o melhor nascer do sol de todos existir a noite tem que estar completamente escura!" [grifos próprios]

domingo, 6 de novembro de 2011

Olhe, tenho uma alma muito prolixa e uso
poucas palavras.
Sou irritável e firo facilmente.
Também sou muito calma e perdôo logo.
Não esqueço nunca.
Mas há poucas coisas de que eu me lembre.
"Hoje, logo cedo dei uma piscadinha para Deus e disse: Tomara que as nossas vontades coincidam. E se não coincidirem... que a dEle prevaleça." ;)

Paisagem de interior - Jessier Quirino

Matuto no mêi da pista
menino chorando nu
rolo de fumo e beiju
colchão de palha listrado
um par de bêbo agarrado
preto véio rezador
jumento jipe e trator
lençol voando estendido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.


Três moleque fedorento
morcegando um caminhão
chapéu de couro e gibão
bodega com surtimento
poeira no pé de vento
tabulêro de cocada
banguela dando risada
das prosa do cantador
buchuda sentindo dor
com o filho quase parido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.


Bêbo lascando a canela
escorregando na fruta
num batente, uma matuta
areando uma panela
cachorro numa cadela
se livrando das pedrada
ciscador corda e enxada
na mão do agricultor
no jardim, um beija-flor
num pé de planta florido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.


Mastruz e erva-cidreira
debaixo dum jatobá
menino querendo olhar
as calça da lavadeira
um chiado de porteira
um fole de oito baixo
pitomba boa no cacho
um canário cantador
caminhão de eleitor
com os voto tudo vendido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.


Um motorista cangueiro
um jipe chêi de batata
um balai de alpercata
porca gorda no chiqueiro
um camelô trambiqueiro
avelós e lagartixa
bode véio de barbicha
bisaco de caçador
um vaqueiro aboiador
bodegueiro adormecido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.


Meninas na cirandinha
um pula corda e um toca
varredeira na fofoca
uma saca de farinha
cacarejo de galinha
novena no mês de maio
vira-lata e papagaio
carroça de amolador
fachada de toda cor
um bruguelim desnutrido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.


Uma jumenta viçando
jumento correndo atrás
um candeeiro de gás
véi na cadeira bufando
radio de pilha tocando
um choriço, um manguzá
um galho de trapiá
carregado de fulô
fogareiro abanador
um matador destemido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.


Um soldador de panela
debaixo da gameleira
sovaqueira, balinheira
uma maleta amarela
rapariga na janela
casa de taipa e latada
nuvilha dando mijada
na calçada do doutor
toalha no aquarador
um terreiro bem varrido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.


Um forró de pé de serra
fogueira milho e balão
um tum-tum-tum de pilão
um cabritinho que berra
uma manteiga da terra
zoada no mêi da feira
facada na gafieira
matuto respeitador
padre, prefeito e doutor
os home mais entendido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.
As coisas vão dar certo. Vai ter amor, vai ter fé, vai ter paz – se não tiver, a gente inventa. (Caio F. Abreu).
♫ (...) E o bom da vida é viver bem
Estar bem e querer beem! =*

... espera no Senhor sem desistir, Seu amor nunca mudou '

Meu amigo, meu amado, minha razão de viver, meu Senhor, meu Deus...

Hoje eu te escrevo, como tantas outras vezes, mas dessa vez eu quero só te agradecer.
Te agradecer pelo dom da vida, por todos os dias que fez sol, pelas vezes que o Senhor me aqueceu quando as noites estavam frias, e que calou os trovões que me assustavam, por me livrar do mau do mundo, por acreditar em mim quando ninguém, nem eu mesma acredito, por me dar forças quando eu penso que não dá mais.Te agradeço por suprir minhas necessidades. Te agradeço pelas pessoas que me fazem o bem. Te agradeço por não deixar meu coração endurecer, por mantê-lo limpo, aberto e em paz. Te agradeço pelas inspirações, pelo teu amor incondicional, por ter dado tua vida por mim. Te agradeço por cuidar de mim e nunca me deixar sozinha.

Senhor, eu te convido a passar o resto da minha vida do meu lado... Nunca vá embora!


Cumpra em mim o teu querer.
Vou mostrando como sou
E vou sendo como posso
Jogando meu corpo no mundo
Andando por todos os cantos
E pela lei natural dos encontros
E deixo e recebo um tanto
Passo aos olhos nus
Ou vestidos de lunetas
Participo sendo o mistério do planeta... ♪

sábado, 5 de novembro de 2011

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‎"Dentro da igreja, ajoelhe-se. No estádio de futebol, grite pelo seu time. Numa festa, comemore. Durante um beijo, apaixone-se. De frente para o mar, dispa-se. Reencontrou um amigo, escute-o.

Ou faça de outro jeito, se preferir: dentro da igreja, escute-O. Durante um beijo, dispa-se. No estádio de futebol, apaixone-se. De frente para o mar, ajoelhe-se. Numa festa, grite pelo seu time. Reencontrou um amigo, comemore.

Esteja, entregue-se."

Felicidade Clandestina - Clarice Lispector

Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio
arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos
achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do
busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias
gostaria de ter: um pai dono de livraria.
Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de
pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal
da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde
morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra
bordadíssima palavras como "data natalícia” e “saudade” .
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança,
chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que
éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres.
Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler,
eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorarlhe emprestados os livros que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma
tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As reinações de
Narizinho, de Monteiro Lobato.
Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com
ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses.
Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o
emprestaria.
Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu
não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me
traziam.
No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava
num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando
bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina,
e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas
em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a
andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife.
Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias
seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me
esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.
Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de
livraria era tranqüilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua
casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro
ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu
como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte" com ela ia se
repetir com meu coração batendo.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo
indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho.
Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer
esteja precisando danadamente que eu sofra.
Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às
vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio
de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a
olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e
silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a
aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a
nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco
elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar
entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com
enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você
nem quis ler!
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia
ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a
potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à
porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se
refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora
mesmo. E para mim: "E você fica com o livro por quanto tempo quiser."
Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é
tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro
na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando
como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com
as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar
em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração
pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para
depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas
maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo
comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o,
abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela
coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina
para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia
orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo,
sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu
amante. UMA AMIZADE SINCERA
Não é que fôssemos amigos de longa data. Conhecemo-nos apenas no
último ano da escola. Desde esse momento estávamos juntos a qualquer hora.
Há tanto tempo precisávamos de um amigo que nada havia que não
confiássemos um ao outro. Chegamos a um ponto de amizade que não
podíamos mais guardar um pensamento: um telefonava logo ao outro,
marcando encontro imediato. Depois da conversa, sentíamo-nos tão
contentes como se nos tivéssemos presenteado a nós mesmos. Esse estado de
comunicação contínua chegou a tal exaltação que, no dia em que nada
tínhamos a nos confiar, procurávamos com alguma aflição um assunto. Só que
o assunto havia de ser grave, pois em qualquer um não caberia a veemência de
uma sinceridade pela primeira vez experimentada.
Já nesse tempo apareceram os primeiros sinais de perturbação entre nós.
Às vezes um telefonava, encontrávamo-nos, e nada tínhamos a nos dizer.
Éramos muito jovens e não sabíamos ficar calados. De início, quando
começou a faltar assunto, tentamos comentar as pessoas. Mas bem sabíamos
que já estávamos adulterando o núcleo da amizade. Tentar falar sobre nossas
mútuas namoradas também estava fora de cogitação, pois um homem não
falava de seus amores. Experimentamos ficar calados - mas tornávamo-nos
inquietos logo depois de nos separarmos.
Minha solidão, na volta de tais encontros, era grande e árida. Cheguei a ler
livros apenas para poder falar deles. Mas uma amizade sincera queria a
sinceridade mais pura. A procura desta, eu começava a me sentir vazio.
Nossos encontros eram cada vez mais decepcionantes. Minha sincera pobreza
revelava-se aos poucos. Também ele, eu sabia, chegara ao impasse de si
mesmo.
Foi quando, tendo minha família se mudado para São Paulo, e ele
morando sozinho, pois sua família era do Piauí, foi quando o convidei a morar
em nosso apartamento, que ficara sob a minha guarda. Que rebuliço de alma.
Radiantes, arrumávamos nossos livros e discos, preparávamos um ambiente
perfeito para a amizade. Depois de tudo pronto - eis-nos dentro de casa, de
braços abanando, mudos, cheios apenas de amizade.
Queríamos tanto salvar o outro. Amizade é matéria de salvação.
Mas todos os problemas já tinham sido tocados, todas as possibilidades
estudadas. Tínhamos apenas essa coisa que havíamos procurado sedentos até
então e enfim encontrado: uma amizade sincera. Único modo, sabíamos, e
com que amargor sabíamos, de sair da solidão que um espírito tem no corpo.
Mas como se nos revelava sintética a amizade. Como se quiséssemos
espalhar em longo discurso um truísmo que uma palavra esgotaria. Nossa
amizade era tão insolúvel como a soma de dois números: inútil querer
desenvolver para mais de um momento a certeza de que dois e três são cinco.
Tentamos organizar algumas farras no apartamento, mas não só os
vizinhos reclamaram como não adiantou.
Se ao menos pudéssemos prestar favores um ao outro. Mas nem havia oportunidade, nem acreditávamos em provas de uma amizade que delas não
precisava. O mais que podíamos fazer era o que fazíamos: saber que éramos
amigos. O que não bastava para encher os dias, sobretudo as longas férias.
Data dessas férias o começo da verdadeira aflição.
Ele, a quem eu nada podia dar senão minha sinceridade, ele passou a ser
uma acusação de minha pobreza. Além do mais, a solidão de um ao lado do
outro, ouvindo música ou lendo, era muito maior do que quando estávamos
sozinhos. E, mais que maior, incômoda. Não havia paz. Indo depois cada um
para seu quarto, com alívio nem nos olhávamos.
É verdade que houve uma pausa no curso das coisas, uma trégua que nos
deu mais esperanças do que em realidade caberia. Foi quando meu amigo teve
uma pequena questão com a Prefeitura. Não é que fosse grave, mas nós a
tornamos para melhor usá-la. Porque então já tínhamos caído na facilidade de
prestar favores. Andei entusiasmado pelos escritórios dos conhecidos de
minha família, arranjando pistolões para meu amigo. E quando começou a
fase de selar papéis, corri por toda a cidade - posso dizer em consciência que
não houve firma que se reconhecesse sem ser através de minha mão.
Nessa época encontrávamo-nos de noite em casa, exaustos e animados:
contávamos as façanhas do dia, planejávamos os ataques seguintes. Não
aprofundávamos muito o que estava sucedendo, bastava que tudo isso tivesse
o cunho da amizade. Pensei compreender por que os noivos se presenteiam,
por que o marido faz questão de dar conforto à esposa, e esta prepara-lhe
afanada o alimento, por que a mãe exagera nos cuidados ao filho. Foi, aliás,
nesse período que, com algum sacrifício, dei um pequeno broche de ouro
àquela que é hoje minha mulher. Só muito depois eu ia compreender que estar
também é dar.
Encerrada a questão com a Prefeitura - seja dito de passagem, com vitória
nossa - continuamos um ao lado do outro, sem encontrar aquela palavra que
cederia a alma. Cederia a alma? mas afinal de contas quem queria ceder a
alma? Ora essa.
Afinal o que queríamos? Nada. Estávamos fatigados, desiludidos.
A pretexto de férias com minha família, separamo-nos. Aliás ele também
ia ao Piauí. Um aperto de mão comovido foi o nosso adeus no aeroporto.
Sabíamos que não nos veríamos mais, senão por acaso. Mais que isso: que não
queríamos nos rever. E sabíamos também que éramos amigos. Amigos
sinceros.
MIOPIA PROGRESSIVA
Se era inteligente, não sabia. Ser ou não inteligente dependia da
instabilidade dos outros. Às vezes o que ele dizia despertava de repente nos
adultos um olhar satisfeito e astuto. Satisfeito, por guardarem em segredo o
fato de acharem-no inteligente e não o mimarem; astuto, por participarem mais do que ele próprio daquilo que ele dissera. Assim, pois, quando era
considerado inteligente, tinha ao mesmo tempo a inquieta sensação de
inconsciência: alguma coisa lhe havia escapado. A chave de sua inteligência
também lhe escapava. Pois às vezes, procurando imitar a si mesmo, dizia
coisas que iriam certamente provocar de novo o rápido movimento no
tabuleiro de damas, pois era esta a impressão de mecanismo automático que
ele tinha dos membros de sua família: ao dizer alguma coisa inteligente, cada
adulto olharia rapidamente o outro, com um sorriso claramente suprimido dos
lábios, um sorriso apenas indicado com os olhos, "como nós sorriríamos
agora, se não fôssemos bons educadores" - e, como numa quadrilha de dança
de filme de faroeste, cada um teria de algum modo trocado de par e lugar. Em
suma, eles se entendiam, os membros de sua família; e entendiam-se à sua
custa. Fora de se entenderem à sua custa, desentendiam-se permanentemente,
mas como nova forma de dançar uma quadrilha: mesmo quando se
desentendiam, sentia que eles estavam submissos às regras de um jogo, como
se tivessem concordado em se desentenderem.
Às vezes, pois, ele tentava reproduzir suas próprias frases de sucesso, as
que haviam provocado movimento no tabuleiro de damas. Não era
propriamente para reproduzir o sucesso passado, nem propriamente para
provocar o movimento mudo da família. Mas para tentar apoderar-se da chave
de sua "inteligência". Na tentativa de descoberta de leis e causas, porém,
falhava. E, ao repetir uma frase de sucesso, dessa vez era recebido pela
distração dos outros. Com os olhos pestanejando de curiosidade, no começo
de sua miopia, ele se indagava por que uma vez conseguia mover a família, e
outra vez não. Sua inteligência era julgada pela falta de disciplina alheia?
Mais tarde, quando substituiu a instabilidade dos outros pela própria,
entrou por um estado de instabilidade consciente. Quando homem, manteve o
hábito de pestanejar de repente ao próprio pensamento, ao mesmo tempo que
franzia o nariz, o que deslocava os óculos - exprimindo com esse cacoete uma
tentativa de substituir o julgamento alheio pelo próprio, numa tentativa de
aprofundar a própria perplexidade. Mas era um menino com capacidade de
estática: sempre fora capaz de manter a perplexidade como perplexidade, sem
que ela se transformasse em outro sentimento.
Que a sua própria chave não estava com ele, a isso ainda menino
habituou-se a saber, e dava piscadelas que, ao franzirem o nariz, deslocavam
os óculos. E que a chave não estava com ninguém, isso ele foi aos poucos
adivinhando sem nenhuma desilusão, sua tranqüila miopia-exigindo lentes
cada vez mais fortes.
Por estranho que parecesse, foi exatamente por intermédio desse estado
de permanente incerteza e por intermédio da prematura aceitação de que a
chave não está com ninguém - foi através disso tudo que ele foi crescendo
normalmente, e vivendo em serena curiosidade. Paciente e curioso. Um pouco
nervoso, diziam, referindo-se ao tique dos óculos. Mas "nervoso" era o nome
que a família estava dando à instabilidade de julgamento da própria família. Outro nome que a instabilidade dos adultos lhe dava era o de "bem
comportado", de "dócil". Dando assim um nome não ao que ele era, mas à
necessidade variável dos momentos.
Uma vez ou outra, na sua extraordinária calma de óculos, acontecia
dentro dele algo brilhante e um pouco convulsivo como uma inspiração.
Foi, por exemplo, quando lhe disseram que daí a uma semana ele iria
passar um dia inteiro na casa de uma prima. Essa prima era casada, não tinha
filhos e adorava crianças. "Dia inteiro" incluía almoço, merenda, jantar, e
voltar quase adormecido para casa. E quanto à prima, a prima significava
amor extra, com suas inesperadas vantagens e uma incalculável pressurosidade
- e tudo isso daria margem a que pedidos extraordinários fossem atendidos.
Na casa dela, tudo aquilo que ele era teria por um dia inteiro um valor
garantido. Ali o amor, mais facilmente estável de apenas um dia, não daria
oportunidade a instabilidades de julgamento: durante um dia inteiro, ele seria
julgado o mesmo menino.
Na semana que precedeu "o dia inteiro", começou por tentar decidir se
seria ou não natural com a prima.
Procurava decidir se logo de entrada diria alguma coisa inteligente - o que
resultaria que durante o dia inteiro ele seria julgado como inteligente. Ou se
faria, logo de entrada, algo que ela julgasse "bem comportado", o que faria
com que durante o dia inteiro ele seria o bem comportado. Ter a possibilidade
de escolher o que seria, e pela primeira vez por um longo dia, fazia-o
endireitar os óculos a cada instante.
Aos poucos, durante a semana precedente, o círculo de possibilidades foi
se alargando. E, com a capacidade que tinha de suportar a confusão - ele era
minucioso e calmo em relação à confusão - terminou descobrindo que até
poderia arbitrariamente decidir ser por um dia inteiro um palhaço, por
exemplo. Ou que poderia passar esse dia de um modo bem triste, se assim
resolvesse. O que o tranqüilizava era saber que a prima, com seu amor sem
filhos e sobretudo com a falta de prática de lidar com crianças, aceitaria o
modo que ele decidisse de como ela o julgaria. Outra coisa que o ajudava era
saber que nada do que ele fosse durante aquele dia iria realmente alterá-lo.
Pois prematuramente - tratava-se de criança precoce - era superior à
instabilidade alheia e à própria instabilidade. De algum modo pairava acima da
própria miopia e da dos outros. O que lhe dava muita liberdade. Às vezes
apenas a liberdade de uma incredulidade tranqüila. Mesmo quando se tornou
homem, com lentes espessíssimas, nunca chegou a tomar consciência dessa
espécie de superioridade que tinha sobre si mesmo.
A semana precedente à visita à prima foi de antecipação contínua. Às
vezes seu estômago se apertava apreensivo: é que naquela casa sem meninos
ele estaria totalmente à mercê do amor sem seleção de uma mulher. "Amor
sem seleção" representava uma estabilidade ameaçadora: seria permanente, e
na certa resultaria num único modo de julgar, e isso era a estabilidade. A
estabilidade, já então, significava para ele um perigo: se os outros errassem no primeiro passo da estabilidade, o erro se tornaria permanente, sem a vantagem
da instabilidade, que é a de uma correção possível.
Outra coisa que o preocupava de antemão era o que faria o dia inteiro na
casa da prima, além de comer e ser amado. Bem, sempre haveria a solução de
poder de vez em quando ir ao banheiro, o que faria o tempo passar mais
depressa. Mas, com a prática de ser amado, já de antemão o constrangia que a
prima, uma estranha para ele, encarasse com infinito carinho as suas idas ao
banheiro. De um modo geral o mecanismo de sua vida se tornara motivo de
ternura. Bem, era também verdade que, quanto a ir ao banheiro, a solução
podia ser a de não ir nenhuma vez ao banheiro. Mas não só seria, durante um
dia inteiro, irrealizável como - como ele não queria ser julgado "um menino
que não vai ao banheiro" - isso também não apresentava vantagem. Sua prima,
estabilizada pela permanente vontade de ter filhos, teria, na não ida ao
banheiro, uma pista falsa de grande amor.
Durante a semana que precedeu "o dia inteiro", não é que ele sofresse
com as próprias tergiversações. Pois o passo que muitos não chegam a dar ele
já havia dado: aceitara a incerteza, e lidava com os componentes da incerteza
com uma concentração de quem examina através das lentes de um
microscópio.
A medida que, durante a semana, as inspirações ligeiramente convulsivas
se sucediam, elas foram gradualmente mudando de nível. Abandonou o
problema de decidir que elementos daria à prima para que ela por sua vez lhe
desse temporariamente a certeza de "quem ele era". Abandonou essas
cogitações e passou a previamente querer decidir sobre o cheiro da casa da
prima, sobre o tamanho do pequeno quintal onde brincaria, sobre as gavetas
que abriria enquanto ela não visse. E finalmente entrou no campo da prima
propriamente dita. De que modo devia encarar o amor que a prima tinha por
ele?
No entanto, negligenciara um detalhe: a prima tinha um dente de ouro,
do lado esquerdo.
E foi isso - ao finalmente entrar na casa da prima - foi isso que num só
instante desequilibrou toda a construção antecipada.
O resto do dia poderia ter sido chamado de horrível, se o menino tivesse
a tendência de pôr as coisas em termos de horrível ou não horrível. Ou
poderia se chamar de "deslumbrante", se ele fosse daqueles que esperam que
as coisas o sejam ou não.
Houve o dente de ouro, com o qual ele não havia contado. Mas, com a
segurança que ele encontrava na idéia de uma imprevisibilidade permanente,
tanto que até usava óculos, não se tornou inseguro pelo fato de encontrar logo
de início algo com que não contara.
Em seguida a surpresa do amor da prima. É que o amor da prima não
começou por ser evidente, ao contrário do que ele imaginara. Ela o recebera
com uma naturalidade que inicialmente o insultara, mas logo depois não o
insultara mais. Ela foi logo dizendo que ia arrumar a casa que ele podia ir brincando. O que deu ao menino, assim de chofre, um dia inteiro vazio e
cheio de sol.
Lá pelas tantas, limpando os óculos, tentou, embora com certa isenção, o
golpe da inteligência e fez uma observação sobre as plantas do quintal. Pois
quando ele dizia alto uma observação, ele era julgado muito observador. Mas
sua fria observação sobre as plantas recebeu em resposta um "pois é", entre
vassouradas no chão. Então foi ao banheiro onde resolveu que, já que tudo
falhara, ele iria brincar de "não ser julgado": por um dia inteiro ele não seria
nada, simplesmente não seria. E abriu a porta num safanão de liberdade.
Mas à medida que o sol subia, a pressão delicada do amor da prima foi se
fazendo sentir. E quando ele se deu conta, era um amado. Na hora do almoço,
a comida foi puro amor errado e estável: sob os olhos ternos da prima, ele se
adaptou com curiosidade ao gosto estranho daquela comida, talvez marca de
azeite diferente, adaptou-se ao amor de uma mulher, amor novo que não
parecia com o amor dos outros adultos: era um amor pedindo realização, pois
faltava à prima a gravidez, que já é em si um amor materno realizado. Mas era
um amor sem a prévia gravidez. Era um amor pedindo, a posteriori, a
concepção. Enfim, o amor impossível.
O dia inteiro o amor exigindo um passado que redimisse o presente e o
futuro. O dia inteiro, sem uma palavra, ela exigindo dele que ele tivesse
nascido no ventre dela. A prima não queria nada dele, senão isso. Ela queria
do menino de óculos que ela não fosse uma mulher sem filhos. Nesse dia,
pois, ele conheceu uma das raras formas de estabilidade: a estabilidade do
desejo irrealizável. A estabilidade do ideal inatingível. Pela primeira vez, ele,
que era um ser votado à moderação, pela primeira vez sentiu-se atraído pelo
imoderado: atração pelo extremo impossível. Numa palavra, pelo impossível.
E pela primeira vez teve então amor pela paixão.
E foi como se a miopia passasse e ele visse claramente o mundo. O
relance mais profundo e simples que teve da espécie de universo em que vivia
e onde viveria. Não um relance de pensamento. Foi apenas como se ele
tivesse tirado os óculos, e a miopia mesmo é que o fizesse enxergar. Talvez
tenha sido a partir de então que pegou um hábito para o resto da vida: cada
vez que a confusão aumentava e ele enxergava pouco, tirava os óculos sob o
pretexto de limpá-los e, sem óculos, fitava o interlocutor com uma fixidez
reverberada de cego.
RESTOS DO CARNAVAL
Não, não deste último carnaval. Mas não sei por que este me transportou
para a minha infância e para as quartas-feiras de cinzas nas ruas mortas onde
esvoaçavam despojos de serpentina e confete. Uma ou outra beata com um
véu cobrindo a cabeça ia à igreja, atravessando a rua tão extremamente vazia
que se segue ao carnaval. Até que viesse o outro ano. E quando a festa ia se aproximando, como explicar a agitação íntima que me tomava? Como se
enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate. Como se
as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas.
Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era
secreta em mim. Carnaval era meu, meu.
No entanto, na realidade, eu dele pouco participava. Nunca tinha ido a
um baile infantil, nunca me haviam fantasiado. Em compensação deixavamme ficar até umas 11 horas da noite à porta do pé de escada do sobrado onde
morávamos, olhando ávida os outros se divertirem. Duas coisas preciosas eu
ganhava então e economizava-as com avareza para durarem os três dias: um
lança-perfume e um saco de confete. Ah, está se tornando difícil escrever.
Porque sinto como ficarei de coração escuro ao constatar que, mesmo me
agregando tão pouco à alegria, eu era de tal modo sedenta que um quase nada
já me tornava uma menina feliz.
E as máscaras? Eu tinha medo mas era um medo vital e necessário
porque vinha de encontro à minha mais profunda suspeita de que o rosto
humano também fosse uma espécie de máscara. À porta do meu pé de escada,
se um mascarado falava comigo, eu de súbito entrava no contato
indispensável com o meu mundo interior, que não era feito só de duendes e
príncipes encantados, mas de pessoas com o seu mistério. Até meu susto com
os mascarados, pois, era essencial para mim.
Não me fantasiavam: no meio das preocupações com minha mãe doente,
ninguém em casa tinha cabeça para carnaval de criança. Mas eu pedia a uma
de minhas irmãs para enrolar aqueles meus cabelos lisos que me causavam
tanto desgosto e tinha então a vaidade de possuir cabelos frisados pelo menos
durante três dias por ano. Nesses três dias, ainda, minha irmã acedia ao meu
sonho intenso de ser uma moça - eu mal podia esperar pela saída de uma
infância vulnerável - e pintava minha boca de batom bem forte, passando
também ruge nas minhas faces. Então eu me sentia bonita e feminina, eu
escapava da meninice.
Mas houve um carnaval diferente dos outros. Tão milagroso que eu não
conseguia acreditar que tanto me fosse dado, eu, que já aprendera a pedir
pouco. É que a mãe de uma amiga minha resolvera fantasiar a filha e o nome
da fantasia era no figurino Rosa. Para isso comprara folhas e folhas de papel
crepom cor-de-rosa, com as quais, suponho, pretendia imitar as pétalas de
uma flor. Boquiaberta, eu assistia pouco a pouco à fantasia tomando forma e
se criando. Embora de pétalas o papel crepom nem de longe lembrasse, eu
pensava seriamente que era uma das fantasias mais belas que jamais vira.
Foi quando aconteceu, por simples acaso, o inesperado: sobrou papel
crepom, e muito. E a mãe de minha amiga - talvez atendendo a meu apelo
mudo, ao meu mudo desespero de inveja, ou talvez por pura bondade, já que
sobrara papel - resolveu fazer para mim também uma fantasia de rosa com o
que restara de material. Naquele carnaval, pois, pela primeira vez na vida eu
teria o que sempre quisera: ia ser outra que não eu mesma. Até os preparativos já me deixavam tonta de felicidade. Nunca me sentira
tão ocupada: minuciosamente, minha amiga e eu calculávamos tudo, embaixo
da fantasia usaríamos combinação, pois se chovesse e a fantasia se derretesse
pelo menos estaríamos de algum modo vestidas - à idéia de uma chuva que de
repente nos deixasse, nos nossos pudores femininos de oito anos, de
combinação na rua, morríamos previamente de vergonha - mas ah! Deus nos
ajudaria! não choveria! Quanto ao fato de minha fantasia só existir por causa
das sobras de outra, engoli com alguma dor meu orgulho que sempre fora
feroz, e aceitei humilde o que o destino me dava de esmola.
Mas por que exatamente aquele carnaval, o único de fantasia, teve que ser
tão melancólico? De manhã cedo no domingo eu já estava de cabelos
enrolados para que até de tarde o frisado pegasse bem. Mas os minutos não
passavam, de tanta ansiedade. Enfim, enfim! chegaram três horas da tarde:
com cuidado para não rasgar o papel, eu me vesti de rosa.
Muitas coisas que me aconteceram tão piores que estas, eu já perdoei. No
entanto essa não posso sequer entender agora: o jogo de dados de um destino é
irracional? É impiedoso. Quando eu estava vestida de papel crepom todo
armado, ainda com os cabelos enrolados e ainda sem batom e ruge - minha
mãe de súbito piorou muito de saúde, um alvoroço repentino se criou em casa
e mandaram-me comprar depressa um remédio na farmácia. Fui correndo
vestida de rosa - mas o rosto ainda nu não tinha a máscara de moça que
cobriria minha tão exposta vida infantil - fui correndo, correndo, perplexa,
atônita, entre serpentinas, confetes e gritos de carnaval. A alegria dos outros
me espantava.
Quando horas depois a atmosfera em casa acalmou-se, minha irmã me
penteou e pintou-me. Mas alguma coisa tinha morrido em mim. E, como nas
histórias que eu havia lido sobre fadas que encantavam e desencantavam
pessoas, eu fora desencantada; não era mais uma rosa, era de novo uma
simples menina. Desci até a rua e ali de pé eu não era uma flor, era um
palhaço pensativo de lábios encarnados. Na minha fome de sentir êxtase, às
vezes começava a ficar alegre mas com remorso lembrava-me do estado grave
de minha mãe e de novo eu morria.
Só horas depois é que veio a salvação. E se depressa agarrei-me a ela é
porque tanto precisava me salvar. Um menino de uns 12 anos, o que para
mim significava um rapaz, esse menino muito bonito parou diante de mim e,
numa mistura de carinho, grossura, brincadeira e sensualidade, cobriu meus
cabelos já lisos, de confete: por um instante ficamos nos defrontando,
sorrindo, sem falar. E eu então, mulherzinha de 8 anos, considerei pelo resto
da noite que enfim alguém me havia reconhecido: eu era, sim, uma rosa.
O GRANDE PASSEIO
Era uma velha sequinha que, doce e obstinada, não parecia compreender que estava só no mundo. Os olhos lacrimejavam sempre, as mãos repousavam
sobre o vestido preto e opaco, velho documento de sua vida. No tecido já
endurecido encontravam-se pequenas crostas de pão coladas pela baba que lhe
ressurgia agora em lembrança do berço. Lá estava uma nódoa amarelada, de
um ovo que comera há duas semanas. E as marcas dos lugares onde dormia.
Achava sempre onde dormir, casa de um, casa de outro. Quando lhe
perguntavam o nome, dizia com a voz purificada pela fraqueza e por
longuíssimos anos de boa educação:
- Mocinha.
As pessoas sorriam. Contente pelo interesse despertado, explicava:
- Nome, nome mesmo, é Margarida.
O corpo era pequeno, escuro, embora ela tivesse sido alta e clara. Tivera
pai, mãe, marido, dois filhos. Todos aos poucos tinham morrido. Só ela
restara com os olhos sujos e expectantes quase cobertos por um tênue veludo
branco. Quando lhe davam alguma esmola davam-lhe pouca, pois ela era
pequena e realmente não precisava comer muito. Quando lhe davam cama
para dormir davam-lhe estreita e dura porque Margarida fora aos poucos
perdendo volume. Ela também não agradecia muito: sorria e balançava a
cabeça.
Dormia agora, não se sabia mais por que motivo, no quarto dos fundos
de uma casa grande, numa rua larga cheia de árvores, em Botafogo. A família
achava graça em Mocinha mas esquecia-se dela a maior parte do tempo. É que
também se tratava de uma velha misteriosa. Levantava-se de madrugada,
arrumava sua cama de anão e disparava lépida como se a casa estivesse
pegando fogo. Ninguém sabia por onde andava. Um dia uma das moças da
casa perguntou-lhe o que andava fazendo. Respondeu com um sorriso gentil:
- Passeando.
Acharam graça que uma velha, vivendo de caridade, andasse a passear.
Mas era verdade. Mocinha nascera no Maranhão, onde sempre vivera. Viera
para o Rio não há muito, com uma senhora muito boa que pretendia interná-
la num asilo, mas depois não pudera ser: a senhora viajara para Minas e dera
algum dinheiro para Mocinha se arrumar no Rio. E a velha passeava para ficar
conhecendo a cidade. Bastava aliás uma pessoa sentar-se num banco de uma
praça e já via o Rio de Janeiro.
Sua vida corria assim sem atropelos, quando a família da casa de Botafogo
um dia surpreendeu-se de tê-la em casa há tanto tempo, e achou que assim
também era demais. De algum modo tinham razão. Todos lá eram muito
ocupados, de vez em quando surgiam casamentos, festas, noivados, visitas. E
quando passavam atarefados pela velha, ficavam surpreendidos como se
fossem interrompidos, abordados com uma pancadinha no ombro: "olha!"
Sobretudo uma das moças da casa sentia um mal-estar irritado, a velha
enervava-a sem motivo. Sobretudo o sorriso permanente, embora a moça
compreendesse tratar-se de um ricto inofensivo. Talvez por falta de tempo,
ninguém falou no assunto. Mas logo que alguém cogitou de mandá-la morar em Petrópolis, na casa da cunhada alemã, houve uma adesão mais animada do
que uma velha poderia provocar.
Quando, pois, o filho da casa foi com a namorada e as duas irmãs passar
um fim-de-semana em Petrópolis, levou a velha no carro.
Por que Mocinha não dormiu na noite anterior? A idéia de uma viagem,
no corpo endurecido o coração se desenferrujava todo seco e descompassado,
como se ela tivesse engolido uma pílula grande sem água. Em certos
momentos nem podia respirar. Passou a noite falando, às vezes alto. A
excitação do passeio prometido e a mudança de vida, de repente aclaravam-lhe
algumas idéias. Lembrou-se de coisas que dias antes juraria nunca terem
existido. A começar pelo filho atropelado, morto debaixo de um bonde no
Maranhão - se ele tivesse vivido no tráfego do Rio de Janeiro, aí mesmo é que
morria atropelado. Lembrou-se dos cabelos do filho, das roupas dele.
Lembrou-se da xícara que Maria Rosa quebrara e de como ela gritara com
Maria Rosa. Se soubesse que a filha morreria de parto, é claro que não
precisaria gritar. E lembrou-se do marido. Só relembrava o marido em mangas
de camisa. Mas, não era possível, estava certa de que ele ia à repartição com o
uniforme de contínuo, ia a festas de paletó, sem falar que não poderia ter ido
ao enterro do filho e da filha em mangas de camisa. A procura do paletó do
marido ainda mais cansou a velha que se virava com leveza na cama. De
repente descobriu que a cama era dura.
- Que cama dura - disse bem alto no meio da noite.
É que se sensibilizara toda. Partes do corpo de que não tinha consciência
há longo tempo reclamavam agora a sua atenção. E de súbito - mas que fome
furiosa! Alucinada, levantou-se, desamarrou a pequena trouxa, tirou um
pedaço de pão com manteiga ressecada que guardava secretamente há dois
dias. Comeu o pão como um rato, arranhando até o sangue os lugares da boca
onde só havia gengiva. E com a comida, cada vez mais se reanimava.
Conseguiu, embora fugazmente, ter a visão do marido se despedindo para ir
ao trabalho. Só depois que a lembrança se desvaneceu, viu que esquecera de
observar se ele estava ou não em mangas de camisa. Deitou-se de novo,
coçando-se toda ardente. Passou o resto da noite nesse jogo de ver por um
instante e depois não conseguir ver mais. De madrugada adormeceu.
E pela primeira vez foi preciso acordá-la. Ainda no escuro, a moça veio
chamá-la, de lenço amarrado na cabeça e já de maleta na mão.
Inesperadamente Mocinha pediu uns instantes para pentear os cabelos. As
mãos trêmulas seguravam o pente quebrado. Ela se penteava, ela se penteava.
Nunca fora mulher de ir passear sem antes pentear bem os cabelos.
Quando enfim se aproximou do automóvel, o rapaz e as moças se
surpreenderam com seu ar alegre e com os passos rápidos. "Tem mais saúde
do que eu!", brincou o rapaz. À moça da casa ocorreu: "E eu que até tinha
pena dela".
Mocinha sentou-se junto da janela do carro, um pouco apertada pelas
duas irmãs acomodadas no mesmo banco. Nada dizia, sorria. Mas quando o automóvel deu a primeira arrancada, jogando-a para trás, sentiu dor no peito.
Não era só por alegria, era um dilaceramento. O rapaz virou-se para trás:
- Não vá enjoar, vovó!
As moças riram, principalmente a que se sentara na frente, a que de vez
em quando encostava a cabeça no ombro do rapaz. Por cortesia, a velha quis
responder, mas não pôde. Quis sorrir, não conseguiu. Olhou para todos, com
olhos lacrimejantes, o que os outros já sabiam que não significava chorar.
Qualquer coisa em seu rosto amorteceu um pouco a alegria da moça da casa e
deu-lhe um ar obstinado.
A viagem foi muito bonita.
As moças estavam contentes, Mocinha agora já recomeçara a sorrir. E,
embora o coração batesse muito, tudo estava melhor. Passaram por um
cemitério, passaram por um armazém, árvore, duas mulheres, um soldado,
gato! letras - tudo engolido pela velocidade.
Quando Mocinha acordou não sabia mais onde estava. A estrada já havia
amanhecido totalmente: era estreita e perigosa. A boca da velha ardia, os pés e
as mãos distanciavam-se gelados do resto do corpo. As moças falavam, a da
frente apoiara a cabeça no ombro do rapaz. Os embrulhos despencavam a
todo instante.
Então a cabeça de Mocinha começou a trabalhar. O marido apareceu-lhe
de paletó - achei, achei! o paletó estava pendurado o tempo todo no cabide.
Lembrou-se do nome da amiga de Maria Rosa, daquela que morava defronte:
Elvira, e a mãe de Elvira até era aleijada. As lembranças quase lhe arrancavam
uma exclamação. Então ela movia os lábios devagar e dizia baixo algumas
palavras.
As moças falavam:
- Ah, obrigada, um presente desses eu rejeito!
Foi quando Mocinha começou finalmente a não entender. Que fazia ela
no carro? como conhecera seu marido e onde? como é que a mãe de Maria
Rosa e Rafael, a própria mãe deles, estava no automóvel com aquela gente?
Logo depois acostumou-se de novo.
O rapaz disse para as irmãs:
- Acho melhor não pararmos defronte, para evitar histórias. Ela salta do
carro, a gente ensina aonde é, ela vai sozinha e dá o recado de que é para ficar.
Uma das moças da casa perturbou-se: receava que o irmão, com uma
incompreensão típica de homem, falasse demais diante da namorada. Eles não
visitavam mais o irmão de Petrópolis, e muito menos a cunhada.
- É sim, interrompeu-o a tempo antes que ele falasse demais. Olha,
Mocinha, você entra por aquele beco e não há como errar: na casa de tijolo
vermelho, você pergunta por Arnaldo, meu irmão, ouviu? Arnaldo. Diz que lá
em casa você não podia mais ficar, diz que na casa de Arnaldo tem lugar e que
você até pode vigiar um pouco o garoto, viu...
Mocinha desceu do automóvel, e durante um tempo ainda ficou de pé
mas pairando entontecida sobre rodas. O vento fresco soprava-lhe a saia comprida por entre as pernas.
Arnaldo não estava. Mocinha entrou na saleta onde a dona da casa, com
um pano contra pó amarrado na cabeça, tomava café. Um menino louro -
decerto aquele que Mocinha deveria vigiar - estava sentado diante de um prato
de tomates e cebolas e comia sonolento, enquanto as pernas brancas e
sardentas balançavam-se sob a mesa. A alemã encheu-lhe o prato de mingau
de aveia, empurrou-lhe na mesa pão torrado com manteiga. As moscas
zuniam.
Mocinha estava fraca. Se bebesse um pouco de café quente talvez
passasse o frio no corpo.
A mulher alemã examinava-a de vez em quando em silêncio: não
acreditara na história da recomendação da cunhada, embora "de lá" tudo fosse
de se esperar. Mas talvez a velha tivesse ouvido de alguém o endereço, até
num bonde, por acaso, isso às vezes acontecia, bastava abrir um jornal e ver
que acontecia. É que aquela história não estava nada bem contada, e a velha
tinha um ar sabido, nem sequer escondia o sorriso. O melhor seria não deixá-
la sozinha na saleta, com o armário cheio de louça nova.
- Preciso antes tomar café, disse-lhe. Depois que meu marido chegar,
veremos o que se pode fazer.
Mocinha não entendeu muito bem, pois ela falava como gringa. Mas
entendeu que era para continuar sentada. O cheiro de café dava-lhe vontade, e
uma vertigem que escurecia a sala toda. Os lábios ardiam secos e o coração
batia todo independente. Café, café, olhava ela sorrindo e lacrimejando. A
seus pés o cachorro mordia a própria pata, rosnando. A empregada, também
meio gringa, alta, de pescoço muito fino e seios grandes, a empregada trouxe
um prato de queijo branco e mole. Sem uma palavra, a mãe esmagou bastante
queijo no pão torrado e empurrou-o para o lado do filho. O menino comeu
tudo e, com a barriga grande, agarrou um palito e levantou-se:
- Mãe, cem cruzeiros.
- Não. Para quê?
- Chocolate.
- Não. Amanhã é que é domingo.
Uma pequena luz iluminou Mocinha: domingo? que fazia naquela casa em
vésperas de domingo? Nunca saberia dizer. Mas bem que gostaria de tomar
conta daquele menino. Sempre gostara de criança loura: todo menino louro se
parecia com o Menino Jesus. O que fazia naquela casa? Mandavam-na à toa de
um lado para outro, mas ela contaria tudo, iam ver. Sorriu encabulada: não
contaria era nada, pois o que queria mesmo era café.
A dona da casa gritou para dentro, e a empregada indiferente trouxe um
prato fundo, cheio de papa escura. Gringos comiam muito de manhã, isso
Mocinha vira mesmo no Maranhão. A dona da casa, com seu ar sem
brincadeiras porque gringo em Petrópolis era tão sério como no Maranhão, a
dona da casa tirou uma colherada de queijo branco, triturou-o com o garfo e
misturou-o à papa. Para dizer verdade, porcaria mesmo de gringo. Pôs-se então a comer, absorta, com o mesmo ar de fastio que os gringos do
Maranhão têm. Mocinha olhava. O cachorro rosnava às pulgas.
Afinal Arnaldo apareceu em pleno sol, a cristaleira brilhando. Ele não era
louro. Falou em voz baixa com a mulher, e depois de demorada confabulação,
informou firme e curioso para Mocinha:
- Não pode ser não, aqui não tem lugar não.
E como a velha não protestasse e continuasse a sorrir, ele falou mais alto:
- Não tem lugar não, ouviu?
Mas Mocinha continuava sentada. Arnaldo ensaiou um gesto. Olhou para
as duas mulheres na sala e vagamente sentiu o cômico do contraste. A esposa
esticada e vermelha. E mais adiante a velha murcha e escura, com uma
sucessão de peles secas penduradas nos ombros. Diante do sorriso malicioso
da velha, ele se impacientou:
- E agora estou muito ocupado! Eu lhe dou dinheiro e você toma o trem
para o Rio, ouviu? volta para a casa de minha mãe, chega lá e diz: casa de
Arnaldo não é asilo, viu? aqui não tem lugar. Diz assim: casa de Arnaldo não é
asilo não, viu!
Mocinha pegou no dinheiro e dirigiu-se à porta. Quando Arnaldo já ia se
sentar para comer, Mocinha reapareceu:
- Obrigada, Deus lhe ajude.
Na rua, de novo pensou em Maria Rosa, Rafael, o marido. Não sentiu a
menor saudade. Mas lembrava-se. Dirigiu-se para a estrada, afastando-se cada
vez mais da estação. Sorriu como se pregasse uma peça a alguém: em vez de
voltar logo, ia antes passear um pouco. Um homem passou. Então uma coisa
muito curiosa, e sem nenhum interesse, foi iluminada: quando ela era ainda
uma mulher, os homens. Não conseguia ter uma imagem precisa das figuras
dos homens, mas viu a si própria com blusas claras e cabelos compridos. A
sede voltou-lhe, queimando a garganta. O sol ardia, faiscava em cada seixo
branco. A estrada de Petrópolis é muito bonita.
No chafariz de pedra negra e molhada, em plena estrada, uma preta
descalça enchia uma lata de água.
Mocinha ficou parada, espreitando. Viu depois a preta reunir as mãos em
concha e beber.
Quando a estrada ficou de novo vazia, Mocinha adiantou-se como se
saísse de um esconderijo e aproximou-se sorrateira do chafariz. Os fios de
água escorreram geladíssimos por dentro das mangas até os cotovelos,
pequenas gotas brilharam suspensas nos cabelos.
Saciada, espantada, continuou a passear com os olhos mais abertos, em
atenção às voltas violentas que a água pesada dava no estômago, acordando
pequenos reflexos pelo resto do corpo como luzes.
A estrada subia muito. A estrada era mais bonita que o Rio de Janeiro, e
subia muito. Mocinha sentou-se numa pedra que havia junto de uma árvore,
para poder apreciar. O céu estava altíssimo, sem nenhuma nuvem. E tinha
muito passarinho que voava do abismo para a estrada. A estrada branca de sol se estendia sobre um abismo verde. Então, como estava cansada, a velha
encostou a cabeça no tronco da árvore e morreu.
COME, MEU FILHO
O mundo parece chato mas eu sei que não é. Sabe por que parece chato?
Porque, sempre que a gente olha, o céu está em cima, nunca está embaixo,
nunca está de lado. Eu sei que o mundo é redondo porque disseram, mas só ia
parecer redondo se a gente olhasse e às vezes o céu estivesse lá embaixo. Eu
sei que é redondo, mas para mim é chato, mas Ronaldo só sabe que o mundo
é redondo, para ele não parece chato.
- Porque eu estive em muitos países e vi que nos Estados Unidos o céu
também é em cima, por isso o mundo parecia todo reto para mim. Mas
Ronaldo nunca saiu do Brasil e pode pensar que só aqui é que o céu é lá em
cima, que nos outros lugares não é chato, que só é chato no Brasil, que nos
outros lugares que ele não viu vai arredondando. Quando dizem para ele, é só
acreditar, pra ele nada precisa parecer. Você prefere prato fundo ou prato
chato, mamãe?
- Chat... raso, quer dizer.
- Eu também. No fundo, parece que cabe mais, mas é só para o fundo, no
chato cabe para os lados e a gente vê logo tudo o que tem. Pepino não parece
inreal?
- Irreal.
- Por que você acha?
- Se diz assim.
- Não, por que é que você também achou que pepino parece inreal? Eu
também. A gente olha e vê um pouco do outro lado, é cheio de desenho bem
igual, é frio na boca, faz barulho de um pouco de vidro quando se mastiga.
Você não acha que pepino parece inventado?
- Parece.
- Onde foi inventado feijão com arroz?
- Aqui.
- Ou no árabe, igual que Pedrinho disse de outra coisa?
- Aqui.
- Na Sorveteria Gatão o sorvete é bom porque tem gosto igual da cor.
Para você carne tem gosto de carne?
- Às vezes.
- Duvido! Só quero ver: da carne pendurada no açougue?!
- Não.
- E nem da carne que a gente fala. Não tem gosto de quando você diz
que carne tem vitamina.
- Não fala tanto, come.
- Mas você está olhando desse jeito para mim, mas não é para eu comer, é porque você está gostando muito de mim, adivinhei ou errei?
- Adivinhou. Come, Paulinho.
- Você só pensa nisso. Eu falei muito para você não pensar só em
comida, mas você vai e não esquece.
PERDOANDO DEUS
Eu ia andando pela Avenida Copacabana e olhava distraída edifícios,
nesga de mar, pessoas, sem pensar em nada. Ainda não percebera que na
verdade não estava distraída, estava era de uma atenção sem esforço, estava
sendo uma coisa muito rara: livre. Via tudo, e à toa. Pouco a pouco é que fui
percebendo que estava percebendo as coisas. Minha liberdade então se
intensificou um pouco mais, sem deixar de ser liberdade. Não era tour de
propriétaire, nada daquilo era meu, nem eu queria. Mas parece-me que me sentia
satisfeita com o que via.
Tive então um sentimento de que nunca ouvi falar. Por puro carinho, eu
me senti a mãe de Deus, que era a Terra, o mundo. Por puro carinho, mesmo,
sem nenhuma prepotência ou glória, sem o menor senso de superioridade ou
igualdade, eu era por carinho a mãe do que existe. Soube também que se tudo
isso "fosse mesmo" o que eu sentia - e não possivelmente um equívoco de
sentimento - que Deus sem nenhum orgulho e nenhuma pequenez se deixaria
acarinhar, e sem nenhum compromisso comigo. Ser-Lhe-ia aceitável a
intimidade com que eu fazia carinho. O sentimento era novo para mim, mas
muito certo, e não ocorrera antes apenas porque não tinha podido ser. Sei que
se ama ao que é Deus. Com amor grave, amor solene, respeito, medo, e
reverência. Mas nunca tinham me falado de carinho maternal por Ele. E assim
como meu carinho por um filho não o reduz, até o alarga, assim ser mãe do
mundo era o meu amor apenas livre.
E foi quando quase pisei num enorme rato morto. Em menos de um
segundo estava eu eriçada pelo terror de viver, em menos de um segundo
estilhaçava-me toda em pânico, e controlava como podia o meu mais
profundo grito. Quase correndo de medo, cega entre as pessoas, terminei no
outro quarteirão encostada a um poste, cerrando violentamente os olhos, que
não queriam mais ver. Mas a imagem colava-se às pálpebras: um grande rato
ruivo, de cauda enorme, com os pés esmagados, e morto, quieto, ruivo. O
meu medo desmesurado de ratos.
Toda trêmula, consegui continuar a viver. Toda perplexa continuei a
andar, com a boca infantilizada pela surpresa. Tentei cortar a conexão entre os
dois fatos: o que eu sentira minutos antes e o rato. Mas era inútil. Pelo menos
a contigüidade ligava-os. Os dois fatos tinham ilogicamente um nexo.
Espantava-me que um rato tivesse sido o meu contraponto. E a revolta de
súbito me tomou: então não podia eu me entregar desprevenida ao amor? De
que estava Deus querendo me lembrar? Não sou pessoa que precise ser lembrada de que dentro de tudo há o sangue. Não só não esqueço o sangue de
dentro como eu o admito e o quero, sou demais o sangue para esquecer o
sangue, e para mim a palavra espiritual não tem sentido, e nem a palavra
terrena tem sentido. Não era preciso ter jogado na minha cara tão nua um
rato. Não naquele instante. Bem poderia ter sido levado em conta o pavor que
desde pequena me alucina e persegue, os ratos já riram de mim, no passado do
mundo os ratos já me devoraram com pressa e raiva. Então era assim?, eu
andando pelo mundo sem pedir nada, sem precisar de nada, amando de puro
amor inocente, e Deus a me mostrar o seu rato? A grosseria de Deus me feria
e insultava-me. Deus era bruto. Andando com o coração fechado, minha
decepção era tão inconsolável como só em criança fui decepcionada.
Continuei andando, procurava esquecer. Mas só me ocorria a vingança. Mas
que vingança poderia eu contra um Deus Todo-Poderoso, contra um Deus
que até com um rato esmagado podia me esmagar? Minha vulnerabilidade de
criatura só. Na minha vontade de vingança nem ao menos eu podia encará-Lo,
pois eu não sabia onde é que Ele mais estava, qual seria a coisa onde Ele mais
estava e que eu, olhando com raiva essa coisa, eu O visse? no rato? naquela
janela? nas pedras do chão? Em mim é que Ele não estava mais. Em mim é
que eu não O via mais.
Então a vingança dos fracos me ocorreu: ah, é assim? pois então não
guardarei segredo, e vou contar. Sei que é ignóbil ter entrado na intimidade de
Alguém, e depois contar os segredos, mas vou contar - não conte, só por
carinho não conte, guarde para você mesma as vergonhas Dele - mas vou
contar, sim, vou espalhar isso que me aconteceu, dessa vez não vai ficar por
isso mesmo, vou contar o que Ele fez, vou estragar a Sua reputação.
...mas quem sabe, foi porque o mundo também é rato, e eu tinha pensado
que já estava pronta para o rato também. Porque eu me imaginava mais forte.
Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que,
somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as
incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido
carinho, pensei que amar é fácil.
É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade
ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque
sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento
chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu
quero amar o que eu amaria - e não o que é. É porque ainda não sou eu
mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque
eu me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com
brutalidade, pois sou muito teimosa. É porque sou muito possessiva e então
me foi perguntado com alguma ironia se eu também queria o rato para mim.
É porque só poderei ser mãe das coisas quando puder pegar um rato na mão.
Sei que nunca poderei pegar num rato sem morrer de minha pior morte.
Então, pois, que eu use o magnificat que entoa às cegas sobre o que não se sabe
nem vê. E que eu use o formalismo que me afasta. Porque o formalismo não tem ferido a minha simplicidade, e sim o meu orgulho, pois é pelo orgulho de
ter nascido que me sinto tão íntima do mundo, mas este mundo que eu ainda
extraí de mim de um grito mudo. Porque o rato existe tanto quanto eu, e
talvez nem eu nem o rato sejamos para ser vistos por nós mesmos, a distância
nos iguala. Talvez eu tenha que aceitar antes de mais nada esta minha natureza
que quer a morte de um rato. Talvez eu me ache delicada demais apenas
porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me
acho de amor inocente. Talvez eu não possa olhar o rato enquanto não olhar
sem lividez esta minha alma que é apenas contida. Talvez eu tenha que chamar
de "mundo" esse meu modo de ser um pouco de tudo. Como posso amar a
grandeza do mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza?
Enquanto eu imaginar que "Deus" é bom só porque eu sou ruim, não estarei
amando a nada: será apenas o meu modo de me acusar. Eu, que sem nem ao
menos ter me percorrido toda, já escolhi amar o meu contrário, e ao meu
contrário quero chamar de Deus. Eu, que jamais me habituarei a mim, estava
querendo que o mundo não me escandalizasse. Porque eu, que de mim só
consegui foi me submeter a mim mesma, pois sou tão mais inexorável do que
eu, eu estava querendo me compensar de mim mesma com uma terra menos
violenta que eu. Porque enquanto eu amar a um Deus só porque não me
quero, serei um dado marcado, e o jogo de minha vida maior não se fará.
Enquanto eu inventar Deus, Ele não existe.
TENTAÇÃO
Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas
horas, ela era ruiva.
Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava.
Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma
pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse
seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a
momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer
de uma menina ruiva com soluço? Olhamo-nos sem palavras, desalento contra
desalento. Na rua deserta nenhum sinal de bonde. Numa terra de morenos,
ser ruivo era uma revolta involuntária. Que importava se num dia futuro sua
marca ia fazê-la erguer insolente uma cabeça de mulher? Por enquanto ela
estava sentada num degrau faiscante da porta, às duas horas. O que a salvava
era uma bolsa velha de senhora, com alça partida. Segurava-a com um amor
conjugal já habituado, apertando-a contra os joelhos.
Foi quando se aproximou a sua outra metade neste mundo, um irmão em
Grajaú. A possibilidade de comunicação surgiu no ângulo quente da esquina
acompanhando uma senhora, e encarnada na figura de um cão. Era um basset
lindo e miserável, doce sob a sua fatalidade. Era um basset ruivo. Lá vinha ele trotando, à frente de sua dona, arrastando seu comprimento.
Desprevenido, acostumado, cachorro.
A menina abriu os olhos pasmados. Suavemente avisado, o cachorro
estacou diante dela. Sua língua vibrava. Ambos se olhavam.
Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem donos de outro
ser, lá estava a menina que viera ao mundo para ter aquele cachorro. Ele
fremia suavemente, sem latir. Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria.
Quanto tempo se passava? Um grande soluço sacudiu-a desafinado. Ele nem
sequer tremeu. Também ela passou por cima do soluço e continuou a fitá-lo.
Os pêlos de ambos eram curtos, vermelhos.
Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se
comunicaram rapidamente, pois não havia tempo. Sabe-se também que sem
falar eles se pediam. Pediam-se, com urgência, com encabulamento,
surpreendidos.
No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol, ali estava a solução
para a criança vermelha. E no meio de tantas ruas a serem trotadas, de tantos
cães maiores, de tantos esgotos secos - lá estava uma menina, como se fora
carne de sua ruiva carne. Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes de
Grajaú. Mais um instante e o suspenso sonho se quebraria, cedendo talvez à
gravidade com que se pediam.
Mas ambos eram comprometidos.
Ela com sua infância impossível, o centro da inocência que só se abriria
quando ela fosse uma mulher. Ele, com sua natureza aprisionada.
A dona esperava impaciente sob o guarda-sol. O basset ruivo afinal
despregou-se da menina e saiu sonâmbulo. Ela ficou espantada, com o
acontecimento nas mãos, numa mudez que nem pai nem mãe
compreenderiam. Acompanhou-o com olhos pretos que mal acreditavam,
debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-lo dobrar a outra esquina. Mas ele
foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás.
O OVO E A GALINHA
De manhã na cozinha sobre a mesa vejo o ovo.
Olho o ovo com um só olhar. Imediatamente percebo que não se pode
estar vendo um ovo. Ver um ovo nunca se mantém no presente: mal vejo um
ovo e já se torna ter visto um ovo há três milênios. - No próprio instante de se
ver o ovo ele é a lembrança de um ovo. - Só vê o ovo quem já o tiver visto. -
Ao ver o ovo é tarde demais: ovo visto, ovo perdido. - Ver o ovo é a
promessa de um dia chegar a ver o ovo. - Olhar curto e indivisível; se é que há
pensamento; não há; há o ovo. - Olhar é o necessário instrumento que, depois
de usado, jogarei fora. Ficarei com o ovo. - O ovo não tem um si-mesmo.
Individualmente ele não existe.
Ver o ovo é impossível: o ovo é supervisível como há sons supersônicos. Ninguém é capaz de ver o ovo. O cão vê o ovo? Só as máquinas vêem o ovo.
O guindaste vê o ovo. - Quando eu era antiga um ovo pousou no meu ombro.
- O amor pelo ovo também não se sente. O amor pelo ovo é supersensível. A
gente não sabe que ama o ovo. - Quando eu era antiga fui depositária do ovo
e caminhei de leve para não entornar o silêncio do ovo. Quando morri,
tiraram de mim o ovo com cuidado. Ainda estava vivo. - Só quem visse o
mundo veria o ovo. Como o mundo, o ovo é óbvio.
O ovo não existe mais. Como a luz da estrela já morta, o ovo
propriamente dito não existe mais. - Você é perfeito, ovo. Você é branco. - A
você dedico o começo. A você dedico a primeira vez.
Ao ovo dedico a nação chinesa.
O ovo é uma coisa suspensa. Nunca pousou. Quando pousa, não foi ele
quem pousou. Foi uma coisa que ficou embaixo do ovo. - Olho o ovo na
cozinha com atenção superficial para não quebrá-lo. Tomo o maior cuidado
de não entendê-lo. Sendo impossível entendê-lo, sei que se eu o entender é
porque estou errando. Entender é a prova do erro. Entendê-lo não é o modo
de vê-lo. - Jamais pensar no ovo é um modo de tê-lo visto. - Será que sei do
ovo? É quase certo que sei. Assim: existo, logo sei. - O que eu não sei do ovo
é o que realmente importa. O que eu não sei do ovo me dá o ovo
propriamente dito.
- A Lua é habitada por ovos.
O ovo é uma exteriorização. Ter uma casca é dar-se.
- O ovo desnuda a cozinha. Faz da mesa um plano inclinado. O ovo
expõe. - Quem se aprofunda num ovo, quem vê mais do que a superfície do
ovo, está querendo outra coisa: está com fome.
Ovo é a alma da galinha. A galinha desajeitada. O ovo certo. A galinha
assustada. O ovo certo. Como um projétil parado. Pois ovo é ovo no espaço.
Ovo sobre azul.
- Eu te amo, ovo. Eu te amo como uma coisa nem sequer sabe que ama
outra coisa. - Não toco nele. A aura de meus dedos é que vê o ovo. Não toco
nele. - Mas dedicar-me à visão do ovo seria morrer para a vida mundana, e eu
preciso da gema e da clara. - O ovo me vê. O ovo me idealiza? O ovo me
medita? Não, o ovo apenas me vê. É isento da compreensão que fere. - O ovo
nunca lutou. Ele é um dom. - O ovo é invisível a olho nu. De ovo a ovo
chega-se a Deus, que é invisível a olho nu. - O ovo terá sido talvez um
triângulo que tanto rolou no espaço que foi se ovalando. -- O ovo é
basicamente um jarro? Terá sido o primeiro jarro moldado pelos etruscos?
Não. O ovo é originário da Macedônia. Lá foi calculado, fruto da mais penosa
espontaneidade. Nas areias da Macedônia um homem com uma vara na mão
desenhou-o. E depois apagou-o com o pé nu.
Ovo é coisa que precisa tomar cuidado. Por isso a galinha é o disfarce do
ovo. Para que o ovo atravesse os tempos a galinha existe. Mãe é para isso. - O
ovo vive foragido por estar sempre adiantado demais para a sua época. - Ovo
por enquanto será sempre revolucionário. - Ele vive dentro da galinha para que não o chamem de branco. O ovo é branco mesmo. Mas não pode ser
chamado de branco. Não porque isso faça mal a ele, mas as pessoas que
chamam ovo de branco, essas pessoas morrem para a vida. Chamar de branco
aquilo que é branco pode destruir a humanidade. Uma vez um homem foi
acusado de ser o que ele era, e foi chamado de Aquele Homem. Não tinham
mentido: Ele era. Mas até hoje ainda não nos recuperamos, uns após outros. A
lei geral para continuarmos vivos: pode-se dizer "um rosto bonito", mas quem
disser "o rosto" morre; por ter esgotado o assunto.
Com o tempo, o ovo se tornou um ovo de galinha. Não o é. Mas,
adotado, usa-lhe o sobrenome. - Deve-se dizer "o ovo da galinha". Se se disser
apenas "o ovo", esgota-se o assunto, e o mundo fica nu. - Em relação ao ovo,
o perigo é que se descubra o que se poderia chamar de beleza, isto é, sua
veracidade. A veracidade do ovo não é verossímil. Se descobrirem, podem
querer obrigá-lo a se tornar retangular. O perigo não é para o ovo, ele não se
tornaria retangular. (Nossa garantia é que ele não pode: não pode é a grande
força do ovo: sua grandiosidade vem da grandeza de não poder, que se irradia
como um não querer.) Mas quem lutasse por torná-lo retangular estaria
perdendo a própria vida. O ovo nos põe, portanto, em perigo. Nossa
vantagem é que o ovo é invisível. E quanto aos iniciados, os iniciados
disfarçam o ovo.
Quanto ao corpo da galinha, o corpo da galinha é a maior prova de que o
ovo não existe. Basta olhar para a galinha para se tornar óbvio que o ovo é
impossível de existir.
E a galinha? O ovo é o grande sacrifício da galinha. O ovo é a cruz que a
galinha carrega na vida. O ovo é o sonho inatingível da galinha. A galinha ama
o ovo. Ela não sabe que existe o ovo. Se soubesse que tem em si mesma um
ovo, ela se salvaria? Se soubesse que tem em si mesma o ovo, perderia o
estado de galinha. Ser uma galinha é a sobrevivência da galinha. Sobreviver é a
salvação. Pois parece que viver não existe. Viver leva à morte. Então o que a
galinha faz é estar permanentemente sobrevivendo. Sobreviver chama-se
manter luta contra a vida que é mortal. Ser uma galinha é isso. A galinha tem o
ar constrangido.
É necessário que a galinha não saiba que tem um ovo. Senão ela se
salvaria como galinha, o que também não é garantido, mas perderia o ovo.
Então ela não sabe. Para que o ovo use a galinha é que a galinha existe. Ela era
só para se cumprir, mas gostou. O desarvoramento da galinha vem disso:
gostar não fazia parte de nascer. Gostar de estar vivo dói. - Quanto a quem
veio antes, foi o ovo que achou a galinha. A galinha não foi sequer chamada.
A galinha é diretamente uma escolhida. - A galinha vive como em sonho. Não
tem senso da realidade. Todo o susto da galinha é porque estão sempre
interrompendo o seu devaneio. A galinha é um grande sono. - A galinha sofre
de um mal desconhecido. O mal desconhecido da galinha é o ovo. - Ela não
sabe se explicar: "sei que o erro está em mim mesma", ela chama de erro a sua
vida, "não sei mais o que sinto", etc. "Etc, etc, etc." é o que cacareja o dia inteiro a galinha. A galinha tem
muita vida interior. Para falar a verdade a galinha só tem mesmo é vida
interior. A nossa visão de sua vida interior é o que nós chamamos de
"galinha". A vida interior na galinha consiste em agir como se entendesse.
Qualquer ameaça e ela grita em escândalo feito uma doida. Tudo isso para que
o ovo não se quebre dentro dela. Ovo que se quebra dentro da galinha é como
sangue.
A galinha olha o horizonte. Como se da linha do horizonte é que viesse
vindo um ovo. Fora de ser um meio de transporte para o ovo, a galinha é
tonta, desocupada e míope. Como poderia a galinha se entender se ela é a
contradição de um ovo? O ovo ainda é o mesmo que se originou na
Macedônia. A galinha é sempre a tragédia mais moderna. Está sempre
inutilmente a par. E continua sendo redesenhada. Ainda não se achou a forma
mais adequada para uma galinha. Enquanto meu vizinho atende ao telefone
ele redesenha com lápis distraído a galinha. Mas para a galinha não há jeito:
está na sua condição não servir a si própria. Sendo, porém, o seu destino mais
importante que ela, e sendo o seu destino o ovo, a sua vida pessoal não nos
interessa.
Dentro de si a galinha não reconhece o ovo, mas fora de si também não o
reconhece. Quando a galinha vê o ovo pensa que está lidando com uma coisa
impossível. E com o coração batendo, com o coração batendo tanto, ela não o
reconhece.
De repente olho o ovo na cozinha e só vejo nele a comida. Não o
reconheço, e meu coração bate. A metamorfose está se fazendo em mim:
começo a não poder mais enxergar o ovo. Fora de cada ovo particular, fora de
cada ovo que se come, o ovo não existe. Já não consigo mais crer num ovo.
Estou cada vez mais sem força de acreditar, estou morrendo, adeus, olhei
demais um ovo e ele foi me adormecendo.
A galinha que não queria sacrificar a sua vida. A que optou por querer ser
"feliz". A que não percebia que, se passasse a vida desenhando dentro de si
como numa iluminura o ovo, ela estaria servindo. A que não sabia perder a si
mesma. A que pensou que tinha penas de galinha para se cobrir por possuir
pele preciosa, sem entender que as penas eram exclusivamente para suavizar a
travessia ao carregar o ovo, porque o sofrimento intenso poderia prejudicar o
ovo. A que pensou que o prazer lhe era um dom, sem perceber que era para
que ela se distraísse totalmente enquanto o ovo se faria. A que não sabia que
"eu" é apenas uma das palavras que se desenham enquanto se atende ao
telefone, mera tentativa de buscar forma mais adequada. A que pensou que
"eu" significa ter um si-mesmo. As galinhas prejudiciais ao ovo são aquelas
que são um "eu" sem trégua. Nelas o "eu" é tão constante que elas já não
podem mais pronunciar a palavra "ovo". Mas, quem sabe, era disso mesmo
que o ovo precisava. Pois se elas não estivessem tão distraídas, se prestassem
atenção à grande vida que se faz dentro delas, atrapalhariam o ovo.
Comecei a falar da galinha e há muito já não estou falando mais da galinha. Mas ainda estou falando do ovo.
E eis que não entendo o ovo. Só entendo ovo quebrado: quebro-o na
frigideira. É deste modo indireto que me ofereço à existência do ovo: meu
sacrifício é reduzir-me à minha vida pessoal. Fiz do meu prazer e da minha
dor o meu destino disfarçado. E ter apenas a própria vida é, para quem já viu
o ovo, um sacrifício. Como aqueles que, no convento, varrem o chão e lavam
a roupa, servindo sem a glória de função maior, meu trabalho é o de viver os
meus prazeres e as minhas dores. É necessário que eu tenha a modéstia de
viver.
Pego mais um ovo na cozinha, quebro-lhe casca e forma. E a partir deste
instante exato nunca existiu um ovo. É absolutamente indispensável que eu
seja uma ocupada e uma distraída. Sou indispensavelmente um dos que
renegam. Faço parte da maçonaria dos que viram uma vez o ovo e o renegam
como forma de protegê-lo. Somos os que se abstêm de destruir, e nisso se
consomem. Nós, agentes disfarçados e distribuídos pelas funções menos
reveladoras, nós às vezes nos reconhecemos. A um certo modo de olhar, a um
jeito de dar a mão, nós nos reconhecemos e a isto chamamos de amor. E
então não é necessário o disfarce: embora não se fale, também não se mente,
embora não se diga a verdade, também não é mais necessário dissimular.
Amor é quando é concedido participar um pouco mais. Poucos querem o
amor, porque amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam
perder todas as outras ilusões. Há os que se voluntariam para o amor,
pensando que o amor enriquecerá a vida pessoal. É o contrário: amor é
finalmente a pobreza. Amor é não ter. Inclusive amor é a desilusão do que se
pensava que era amor. E não é prêmio, por isso não envaidece, amor não é
prêmio, é uma condição concedida exclusivamente para aqueles que, sem ele,
corromperiam o ovo com a dor pessoal. Isso não faz do amor uma exceção
honrosa; ele é exatamente concedido aos maus agentes, àqueles que
atrapalhariam tudo se não lhes fosse permitido adivinhar vagamente.
A todos os agentes são dadas muitas vantagens para que o ovo se faça.
Não é o caso de se ter inveja pois, inclusive algumas das condições, piores do
que as dos outros, são apenas as condições ideais para o ovo. Quanto ao
prazer dos agentes, eles também o recebem sem orgulho. Austeramente vivem
todos os prazeres: inclusive é o nosso sacrifício para que o ovo se faça. Já nos
foi imposta, inclusive, uma natureza toda adequada a muito prazer. O que
facilita. Pelo menos torna menos penoso o prazer.
Há casos de agentes que se suicidam: acham insuficientes as pouquíssimas
instruções recebidas, e se sentem sem apoio. Houve o caso do agente que
revelou publicamente ser agente porque lhe foi intolerável não ser
compreendido, e ele não suportava mais não ter o respeito alheio: morreu
atropelado quando saía de um restaurante. Houve um outro que nem precisou
ser eliminado: ele próprio se consumiu lentamente na revolta, sua revolta veio
quando ele descobriu que as duas ou três instruções recebidas não incluíam
nenhuma explicação. Houve outro, também eliminado, porque achava que "a verdade deve ser corajosamente dita", e começou em primeiro lugar a
procurá-la; dele se disse que morreu em nome da verdade, mas o fato é que
ele estava apenas dificultando a verdade com sua inocência; sua aparente
coragem era tolice, e era ingênuo o seu desejo de lealdade, ele não
compreendera que ser leal não é coisa limpa, ser leal é ser desleal para com
todo o resto. Esses casos extremos de morte não são por crueldade. É que há
um trabalho, digamos cósmico, a ser feito, e os casos individuais infelizmente
não podem ser levados em consideração. Para os que sucumbem e se tornam
individuais é que existem as instituições, a caridade, a compreensão que não
discrimina motivos, a nossa vida humana enfim.
Os ovos estalam na frigideira, e mergulhada no sonho preparo o café da
manhã. Sem nenhum senso da realidade, grito pelas crianças que brotam de
várias camas, arrastam cadeiras e comem, e o trabalho do dia amanhecido
começa, gritado e rido e comido, clara e gema, alegria entre brigas, dia que é o
nosso sal e nós somos o sal do dia, viver é extremamente tolerável, viver
ocupa e distrai, viver faz rir.
E me faz sorrir no meu mistério. O meu mistério é que eu ser apenas um
meio, e não um fim, tem-me dado a mais maliciosa das liberdades: não sou
boba e aproveito. Inclusive, faço um mal aos outros que, francamente. O falso
emprego que me deram para disfarçar a minha verdadeira função, pois
aproveito o falso emprego e dele faço o meu verdadeiro; inclusive o dinheiro
que me dão como diária para facilitar minha vida de modo a que o ovo se
faça, pois esse dinheiro eu tenho usado para outros fins, desvio de verba,
ultimamente comprei ações da Brahma e estou rica. A isso tudo ainda chamo
ter a necessária modéstia de viver. E também o tempo que me deram, e que
nos dão apenas para que no ócio honrado o ovo se faça, pois tenho usado
esse tempo para prazeres ilícitos e dores ilícitas, inteiramente esquecida do
ovo. Esta é a minha simplicidade.
Ou é isso mesmo que eles querem que me aconteça, exatamente para que
o ovo se cumpra? É liberdade ou estou sendo mandada? Pois venho notando
que tudo o que é erro meu tem sido aproveitado. Minha revolta é que para
eles eu não sou nada, eu sou apenas preciosa: eles cuidam de mim segundo
por segundo, com a mais absoluta falta de amor; sou apenas preciosa. Com o
dinheiro que me dão, ando ultimamente bebendo. Abuso ou confiança? Mas é
que ninguém sabe como se sente por dentro aquele cujo emprego consiste em
fingir que está traindo, e que termina acreditando na própria traição. Cujo
emprego consiste em diariamente esquecer. Aquele de quem é exigida a
aparente desonra. Nem meu espelho reflete mais um rosto que seja meu. Ou
sou um agente, ou é a traição mesmo. Mas durmo o sono dos justos por saber
que minha vida fútil não atrapalha a marcha do grande tempo. Pelo contrário:
parece que é exigido de mim que eu seja extremamente fútil, é exigido de mim
inclusive que eu durma como um justo. Eles me querem ocupada e distraída, e
não lhes importa como. Pois, com minha atenção errada e minha tolice grave,
eu poderia atrapalhar o que se está fazendo através de mim. É que eu própria, eu propriamente dita, só tenho mesmo servido para atrapalhar. O que me
revela que talvez eu seja um agente é a idéia de que meu destino me ultrapassa:
pelo menos isso eles tiveram mesmo que me deixar adivinhar, eu era daqueles
que fariam mal o trabalho se ao menos não adivinhassem um pouco; fizeramme esquecer o que me deixaram adivinhar, mas vagamente ficou-me a noção
de que meu destino me ultrapassa, e de que sou instrumento do trabalho
deles. Mas de qualquer modo era só instrumento que eu poderia ser, pois o
trabalho não poderia ser mesmo meu. Já experimentei me estabelecer por
conta própria e não deu certo; ficou me até hoje essa mão trêmula. Tivesse eu
insistido um pouco mais e teria perdido para sempre a saúde. Desde então,
desde essa malograda experiência, procuro raciocinar deste modo: que já me
foi dado muito, que eles já me concederam tudo o que pode ser concedido; e
que Outros agentes, muito superiores a mim, também trabalharam apenas
para o que não sabiam. E com as mesmas pouquíssimas instruções. Já me foi
dado muito; isto, por exemplo: uma vez ou outra, com o coração batendo
pelo privilégio, eu pelo menos sei que não estou reconhecendo! Com o
coração batendo de emoção, eu pelo menos não compreendo! com o coração
batendo de confiança, eu pelo menos não sei.
Mas e o ovo? Este é um dos subterfúgios deles: enquanto eu falava sobre
o ovo, eu tinha esquecido do ovo. “Falai, falai", instruíram-me eles. E o ovo
fica inteiramente protegido por tantas palavras. Falai muito, é uma das
instruções, estou tão cansada.
Por devoção ao ovo, eu o esqueci. Meu necessário esquecimento. Meu
interesseiro esquecimento. Pois o ovo é um esquivo. Diante de minha
adoração possessiva ele poderia retrair-se e nunca mais voltar. Mas se ele for
esquecido. Se eu fizer o sacrifício de viver apenas a minha vida e de esquecê-
lo. Se o ovo for impossível. Então - livre, delicado, sem mensagem alguma
para mim - talvez uma vez ainda ele se locomova do espaço até esta janela que
desde sempre deixei aberta. E de madrugada baixe no nosso edifício. Sereno
até a cozinha. Iluminando-a de minha palidez.
CEM ANOS DE PERDÃO
Quem nunca roubou não vai me entender. E quem nunca roubou rosas,
então é que jamais poderá me entender. Eu, em pequena, roubava rosas.
Havia em Recife inúmeras ruas, as ruas dos ricos, ladeadas por palacetes
que ficavam no centro de grandes jardins. Eu e uma amiguinha brincávamos
muito de decidir a quem pertenciam os palacetes. "Aquele branco é meu."
“Não, eu já disse que os brancos são meus." "Mas esse não é totalmente
branco, tem janelas verdes." Parávamos às vezes longo tempo, a cara
imprensada nas grades, olhando.
Começou assim. Numa das brincadeiras de "essa casa é minha", paramos
diante de uma que parecia um pequeno castelo. No fundo via-se o imenso pomar. E, à frente, em canteiros bem ajardinados, estavam plantadas as flores.
Bem, mas isolada no seu canteiro estava uma rosa apenas entreaberta corde-rosa-vivo. Fiquei feito boba, olhando com admiração aquela rosa altaneira
que nem mulher feita ainda não era. E então aconteceu: do fundo de meu
coração, eu queria aquela rosa para mim. Eu queria, ah como eu queria. E não
havia jeito de obtê-la. Se o jardineiro estivesse por ali, pediria a rosa, mesmo
sabendo que ele nos expulsaria como se expulsam moleques. Não havia
jardineiro à vista, ninguém. E as janelas, por causa do sol, estavam de
venezianas fechadas. Era uma rua onde não passavam bondes e raro era o
carro que aparecia. No meio do meu silêncio e do silêncio da rosa, havia o
meu desejo de possuí-la como coisa só minha. Eu queria poder pegar nela.
Queria cheirá-la até sentir a vista escura de tanta tonteira de perfume.
Então não pude mais. O plano se formou em mim instantaneamente,
cheio de paixão. Mas, como boa realizadora que eu era, raciocinei friamente
com minha amiguinha, explicando-lhe qual seria o seu papel: vigiar as janelas
da casa ou a aproximação ainda possível do jardineiro, vigiar os transeuntes
raros na rua. Enquanto isso, entreabri lentamente o portão de grades um
pouco enferrujadas, contando já com o leve rangido. Entreabri somente o
bastante para que meu esguio corpo de menina pudesse passar. E, pé ante pé,
mas veloz, andava pelos pedregulhos que rodeavam os canteiros. Até chegar à
rosa foi um século de coração batendo.
Eis-me afinal diante dela. Paro um instante, perigosamente, porque de
perto ela ainda é mais linda. Finalmente começo a lhe quebrar o talo,
arranhando-me com os espinhos, e chupando o sangue dos dedos.
E, de repente - ei-la toda na minha mão. A corrida de volta ao portão
tinha também de ser sem barulho. Pelo portão que deixara entreaberto, passei
segurando a rosa. E então nós duas pálidas, eu e a rosa, corremos literalmente
para longe da casa.
O que é que fazia eu com a rosa? Fazia isso: ela era minha.
Levei-a para casa, coloquei-a num copo d'água, onde ficou soberana, de
pétalas grossas e aveludadas, com vários entretons de rosa-chá. No centro dela
a cor se concentrava mais e seu coração quase parecia vermelho.
Foi tão bom.
Foi tão bom que simplesmente passei a roubar rosas. O processo era
sempre o mesmo: a menina vigiando, eu entrando, eu quebrando o talo e
fugindo com a rosa na mão. Sempre com o coração batendo e sempre com
aquela glória que ninguém me tirava.
Também roubava pitangas. Havia uma igreja presbiteriana perto de casa,
rodeada por uma sebe verde, alta e tão densa que impossibilitava a visão da
igreja. Nunca cheguei a vê-la, além de uma ponta de telhado. A sebe era de
pitangueira. Mas pitangas são frutas que se escondem: eu não via nenhuma.
Então, olhando antes para os lados para ver se ninguém vinha, eu metia a mão
por entre as grades, mergulhava-a dentro da sebe e começava a apalpar até
meus dedos sentirem o úmido da frutinha. Muitas vezes na minha pressa, eu esmagava uma pitanga madura demais com os dedos que ficavam como
ensangüentados. Colhia várias que ia comendo ali mesmo, umas até verdes
demais, que eu jogava fora.
Nunca ninguém soube. Não me arrependo: ladrão de rosas e de pitangas
tem 100 anos de perdão. As pitangas, por exemplo, são elas mesmas que
pedem para ser colhidas, em vez de amadurecer e morrer no galho, virgens.
A LEGIÃO ESTRANGEIRA
Se me perguntassem sobre Ofélia e seus pais, teria respondido com o
decoro da honestidade: mal os conheci. Diante do mesmo júri ao qual
responderia: mal me conheço - e para cada cara de jurado diria com o mesmo
límpido olhar de quem se hipnotizou para a obediência: mal vos conheço. Mas
às vezes acordo do longo sono e volto-me com docilidade para o delicado
abismo da desordem.
Estou tentando falar sobre aquela família que sumiu há anos sem deixar
traços em mim, e de quem me ficara apenas uma imagem esverdeada pela
distância. Meu inesperado consentimento em saber foi hoje provocado pelo
fato de ter aparecido em casa um pinto. Veio trazido por mão que queria ter o
gosto de me dar coisa nascida. Ao desengradarmos o pinto, sua graça pegounos em flagrante. Amanhã é Natal, mas o momento de silêncio que espero o
ano inteiro veio um dia antes de Cristo nascer. Coisa piando por si própria
desperta a suavíssima curiosidade que junto de uma manjedoura é adoração.
Ora, disse meu marido, e essa agora. Sentira-se grande demais. Sujos, de boca
aberta, os meninos se aproximaram. Eu, um pouco ousada, fiquei feliz. O
pinto, esse piava. Mas Natal é amanhã, disse acanhado o menino mais velho.
Sorríamos desamparados, curiosos.
Mas sentimentos são água de um instante. Em breve - como a mesma
água já é outra quando o sol a deixa muito leve, e já outra quando se enerva
tentando morder uma pedra, e outra ainda no pé que mergulha - em breve já
não tínhamos no rosto apenas aura e iluminação. Em torno do pinto aflito,
estávamos bons e ansiosos. A meu marido, a bondade deixa ríspido e severo,
ao que já nos habituamos; ele se crucifica um pouco. Nos meninos, que são
mais graves, a bondade é um ardor. A mim, a bondade me intimida. Daí a
pouco a mesma água era outra, e olhávamos contrafeitos, enredados na falta
de habilidade de sermos bons. E, a água já outra, pouco a pouco tínhamos no
rosto a responsabilidade de uma aspiração, o coração pesado de um amor que
já não era mais livre. Também nos desajeitava o medo que o pinto tinha de
nós; ali estávamos, e nenhum merecia comparecer a um pinto; a cada piar, ele
nos espargia para fora. A cada piar, reduzia-nos a não fazer nada. A constância
de seu pavor acusava-nos de uma alegria leviana que a essa hora nem alegria
mais era, era amolação. Passara o instante do pinto, e ele, cada vez mais
urgente, expulsava-nos sem nos largar. Nós, os adultos, já teríamos encerrado o sentimento. Mas nos meninos havia uma indignação silenciosa, e a acusação
deles é que nada fazíamos pelo pinto ou pela humanidade. A nós, pai e mãe, o
piar cada vez mais ininterrupto já nos levara a uma resignação constrangida: as
coisas são assim mesmo. Só que nunca tínhamos contado isso aos meninos,
tínhamos vergonha; e adiávamos indefinidamente o momento de chamá-los e
falar claro que as coisas são assim. Cada vez ficava mais difícil, o silêncio
crescia, e eles empurravam um pouco o afã com que queríamos lhes dar, em
troca, amor. Se nunca havíamos conversado sobre as coisas, muito mais
tivemos naquele instante que esconder deles o sorriso que terminou nos vindo
com o piar desesperado daquele bico, um sorriso como se a nós coubesse
abençoar o fato de as coisas serem assim mesmo, e tivéssemos acabado de
abençoá-las.
O pinto, esse piava. Sobre a mesa envernizada ele não ousava um passo,
um movimento, ele piava para dentro. Eu não sabia sequer onde cabia tanto
terror numa coisa que era só penas. Penas encobrindo o quê? meia dúzia de
ossos que se haviam reunido fracos para quê? para o piar de um terror. Em
silêncio, em respeito à impossibilidade de nos compreendermos, em respeito à
revolta dos meninos contra nós, em silêncio olhávamos sem muita paciência.
Era impossível dar-lhe a palavra asseguradora que o fizesse não ter medo,
consolar coisa que por ter nascido se espanta. Como prometer-lhe o hábito?
Pai e mãe, sabíamos quão breve seria a vida do pinto. Também este sabia, do
modo como as coisas vivas sabem: através do susto profundo.
E enquanto isso, o pinto cheio de graça, coisa breve e amarela. Eu queria
que também ele sentisse a graça de sua vida, assim como já pediram de nós,
ele que era a alegria dos outros, não a própria. Que sentisse que era gratuito,
nem sequer necessário - um dos pintos tem que ser inútil - só nascera para a
glória de Deus, então fosse a alegria dos homens. Mas era amar o nosso amor
querer que o pinto fosse feliz somente porque o amávamos. Eu sabia também
que só mãe resolve o nascimento, e o nosso era amor de quem se compraz em
amar: eu me revolvia na graça de me ser dado amar, sinos, sinos repicavam
porque sei adorar. Mas o pinto tremia, coisa de terror, não de beleza.
O menino menor não suportou mais:
- Você quer ser a mãe dele?
Eu disse que sim, em sobressalto. Eu era a enviada junto àquela coisa que
não compreendia a minha única linguagem: eu estava amando sem ser amada.
A missão era falível, e os olhos de quatro meninos aguardavam com a
intransigência da esperança o meu primeiro gesto de amor eficaz. Recuei um
pouco, sorrindo toda solitária, olhei para minha família, queria que eles
sorrissem. Um homem e quatro meninos me fitavam, incrédulos e confiantes.
Eu era a mulher da casa, o celeiro. Por que a impassibilidade dos cinco, não
entendi. Quantas vezes teria eu falhado para que, na minha hora de timidez,
eles me olhassem. Tentei isolar-me do desafio dos cinco homens para também
eu esperar de mim e lembrar-me de como é o amor. Abri a boca, ia dizer-lhes
a verdade: não sei como. Mas se me viesse de noite uma mulher. Se ela segurasse no colo o filho. E
dissesse: cure meu filho. Eu diria: como é que se faz? Ela responderia: cure
meu filho. Eu diria: também não sei. Ela responderia: cure meu filho. Então -
então porque não sei fazer nada e porque não me lembro de nada e porque é
de noite - então estendo a mão e salvo uma criança. Porque é de noite, porque
estou sozinha na noite de outra pessoa, porque este silêncio é muito grande
para mim, porque tenho duas mãos para sacrificar a melhor delas e porque
não tenho escolha. Então estendi a mão e peguei o pinto.
Foi nesse instante que revi Ofélia. E nesse instante lembrei-me de que
fora a testemunha de uma menina.
Mais tarde lembrei-me de como a vizinha, mãe de Ofélia, era trigueira
como uma hindu. Tinha olheiras arroxeadas que a embelezavam muito e
davam-lhe um ar fatigado que fazia os homens a olharem uma segunda vez.
Um dia, no banco da praça, enquanto as crianças brincavam, ela me dissera
com aquela sua cabeça obstinada de quem olha para o deserto: "Sempre quis
tirar um curso de enfeitar bolos". Lembrei-me de que o marido - trigueiro
também, como se se tivessem escolhido pela secura da cor - queria subir na
vida através de seu ramo de negócios: gerência de hotéis ou dono mesmo,
nunca entendi bem. O que lhe dava uma dura polidez. Quando éramos
forçados no elevador a contato mais prolongado, ele aceitava a troca de
palavras num tom de arrogância que trazia de lutas maiores. Até chegarmos ao
décimo andar, a humildade a que sua frieza me forçara já o amansara um
pouco; talvez chegasse em casa mais bem servido. Quanto à mãe de Ofélia, ela
temia que à força de morarmos no mesmo andar houvesse intimidade e, sem
saber que também eu me resguardava, evitava-me. A única intimidade fora a
do banco do jardim, onde, com olheiras e boca fina, falara sobre enfeitar
bolos. Eu não soubera o que retrucar e terminara dizendo para que soubesse
que eu gostava dela, que o curso dos bolos me agradaria. Esse único momento
mútuo afastara-nos ainda mais, por receio de um abuso de compreensão. A
mãe de Ofélia chegara mesmo a ser grosseira no elevador: no dia seguinte eu
estava com um dos meninos pela mão, o elevador descia devagar, e eu,
opressa pelo silêncio que, à outra, fortificava - dissera num tom de agrado que
no mesmo instante também a mim repugnara:
- Estamos indo para a casa da avó dele. E ela, para meu espanto:
- Não perguntei nada, nunca me meto na vida dos vizinhos.
- Ora, disse eu baixo.
O que, ali mesmo no elevador, me fizera pensar que eu estava pagando
por ter sido sua confidente de um minuto no banco do jardim. O que, por sua
vez, me fizera pensar que ela talvez julgasse me ter confiado mais do que na
realidade confiara. O que, por sua vez, me fizera pensar se na verdade ela não
me dissera mais do que nós duas percebêramos. Enquanto o elevador
continuava a descer e parar, eu reconstituíra seu ar insistente e sonhador no
banco do jardim - e olhara com olhos novos para a beleza altaneira da mãe de
Ofélia. "Não contarei a ninguém que você quer enfeitar bolos", pensei olhando-a rapidamente.
O pai agressivo, a mãe se guardando. Família soberba. Tratavam-me
como se eu já morasse no futuro hotel deles e ofendesse-os com o pagamento
que exigiam. Sobretudo tratavam-me como se nem eu acreditasse, nem eles
pudessem provar quem eles eram. E quem eram eles? indagava-me às vezes.
Por que a bofetada que estava impressa no rosto deles, por que a dinastia
exilada? E tanto não me perdoavam que eu agia não perdoada: se os
encontrava na rua, fora do setor que me era circunscrito, sobressaltava-me,
surpreendida em delito: recuava para eles passarem, dava-lhes a vez - os três
trigueiros e bem vestidos passavam como se fossem à missa, aquela família
que vivia sob o signo de um orgulho ou de um martírio oculto, arroxeados
como flores da Paixão. Família antiga, aquela.
Mas o contato se fez através da filha. Era uma menina belíssima, com
longos cachos duros, Ofélia, com olheiras iguais às da mãe, as mesmas
gengivas um pouco roxas, a mesma boca fina de quem se cortou. Mas essa, a
boca, falava. Deu para aparecer em casa. Tocava a campainha, eu abria a
portinhola, não via nada, ouvia uma voz decidida:
- Sou eu, Ofélia Maria dos Santos Aguiar.
Desanimada, eu abria a porta. Ofélia entrava. A visita era para mim, meus
dois meninos daquele tempo eram pequenos demais para sua sabedoria
pausada. Eu era grande e ocupada, mas era para mim a visita: com uma
atenção toda interior, como se para tudo houvesse um tempo, levantava com
cuidado a saia de babados, sentava-se, ajeitava os babados - e só então me
olhava. Eu, que então copiava o arquivo do escritório, eu trabalhava e ouvia.
Ofélia, ela dava-me conselhos. Tinha opinião formada a respeito de tudo.
Tudo o que eu fazia era um pouco errado, na sua opinião. Dizia "na minha
opinião" em tom ressentido, como se eu lhe devesse ter pedido conselhos e, já
que eu não pedia, ela dava. Com seus oito anos altivos e bem vividos, dizia
que na sua opinião eu não criava bem os meninos; pois meninos quando se dá
a mão querem subir na cabeça. Banana não se mistura com leite. Mata. Mas é
claro a senhora faz o que quiser; cada um sabe de si. Não era mais hora de
estar de robe; sua mãe mudava de roupa logo que saía da cama, mas cada um
termina levando a vida que quer. Se eu explicava que era porque ainda não
tomara banho, Ofélia ficava quieta, olhando-me atenta. Com alguma
suavidade, então, com alguma paciência, acrescentava que não era hora de
ainda não ter tomado banho. Nunca era minha a última palavra. Que última
palavra poderia eu dar quando ela me dizia: empada de legume não tem
tampa. Uma tarde numa padaria vi-me inesperadamente diante da verdade
inútil: lá estava sem tampa uma fila de empadas de legumes. "Mas eu lhe
avisei", ouvi-a como se ela estivesse presente. Com seus cachos e babados,
com sua delicadeza firme, era uma visitação na sala ainda desarrumada. O que
valia é que dizia muita tolice também, o que, no meu desalento, me fazia sorrir
desesperada.
A pior parte da visitação era a do silêncio. Eu erguia os olhos da máquina, e não saberia há quanto tempo Ofélia me olhava em silêncio. O que em mim
pode atrair essa menina? exasperava-me eu. Uma vez, depois de seu longo
silêncio, dissera-me tranqüila: a senhora é esquisita. E eu, atingida em cheio no
rosto sem cobertura - logo no rosto que sendo o nosso avesso é coisa tão
sensível - eu, atingida em cheio, pensara com raiva: pois vai ver que é esse
esquisito mesmo que você procura. Ela que estava toda coberta, e tinha mãe
coberta, e pai coberto.
Eu ainda preferia, pois, conselho e crítica. Já menos tolerável era o seu
hábito de usar a palavra portanto com que ligava as frases numa concatenação
que não falhava. Dissera-me que eu comprara legumes demais na feira -
portanto - não iam caber na geladeira pequena e - portanto - murchariam
antes da próxima feira. Dias depois eu olhava os legumes murchos. Portanto,
sim. Outra vez vira menos legumes espalhados pela mesa da cozinha, eu que
disfarçadamente obedecera. Ofélia olhara, olhara. Parecia prestes a não dizer
nada. Eu esperava de pé, agressiva, muda. Ofélia dissera sem nenhuma ênfase:
- É pouco até a feira que vem.
Os legumes acabaram pelo meio da semana. Como é que ela sabe?
perguntava-me eu curiosa. "Portanto" seria a resposta talvez. Por que eu
nunca, nunca sabia? Por que sabia ela de tudo, por que era a terra tão familiar
a ela, e eu sem cobertura? Portanto? Portanto.
Uma vez Ofélia errou. Geografia - disse sentada defronte a mim com os
dedos cruzados no colo - é um modo de estudar. Não chegava a ser erro, era
mais um leve estrabismo de pensamento - mas para mim teve a graça de uma
queda, e antes que o instante passasse, eu por dentro lhe disse: é assim mesmo
que se faz, isso! vá devagar assim, e um dia vai ser mais fácil ou mais difícil
para você, mas é assim, vá errando, bem, bem devagar.
Uma manhã, no meio de sua conversa, avisou-me autoritária: "Vou em
casa ver uma coisa mas volto logo". Arrisquei: "Se você está muito ocupada,
não precisa voltar". Ofélia olhou-me muda, inquisitiva. "Existe uma menina
muito antipática", pensei bem claro para que ela visse a frase toda exposta no
meu rosto. Ela sustentou o olhar. O olhar onde - com surpresa e desolação -
vi fidelidade paciente, confiança em mim e o silêncio de quem nunca falou.
Quando é que eu lhe jogara um osso para que ela me seguisse muda pelo resto
da vida? Desviei os olhos. Ela suspirou tranqüila. E disse com maior decisão
ainda: "Volto logo". Que é que ela quer? - agitei-me - por que atraio pessoas
que nem sequer gostam de mim?
Uma vez, quando Ofélia estava sentada, tocaram a campainha. Fui abrir e
deparei com a mãe de Ofélia. Vinha protetora, exigente:
- Por acaso Ofélia Maria está aí?
- Está, escusei-me como se a tivesse raptado.
- Não faça mais isso, disse ela para Ofélia num tom que me era dirigido;
depois voltou-se para mim e, subitamente ofendida: Desculpe o incômodo.
- Nem pense nisso, essa menina é tão inteligente. A mãe olhou-me em
leve surpresa - mas a suspeita passou-lhe pelos olhos. E neles eu li: que é que você quer dela?
- Já proibi Ofélia Maria de incomodar a senhora, disse agora em
desconfiança aberta. E segurando firme a mão da menina para levá-la, parecia
defendê-la contra mim. Com uma sensação de decadência, espiei pela
portinhola entreaberta sem ruídos: lá iam as duas pelo corredor que levava ao
apartamento delas, a mãe abrigando a filha com murmúrios de repreensão
amorosa, a filha impassível a fremir cachos e babados. Ao fechar a portinhola
percebi que ainda não mudara de roupa e, portanto, assim fora vista pela mãe
que mudava de roupa ao sair da cama. Pensei com alguma desenvoltura: bem,
agora a mãe me despreza, portanto estou livre de a menina voltar.
Mas voltava, sim. Eu era atraente demais para aquela criança. Tinha
defeitos bastantes para seus conselhos, era terreno para o desenvolvimento de
sua severidade, já me tornara o domínio daquela minha escrava: ela voltava,
sim, levantava os babados, sentava-se.
Por essa ocasião, sendo perto da Páscoa, a feira estava cheia de pintos, e
eu trouxe um para os meninos. Brincamos, depois ele ficou pela cozinha, os
meninos pela rua. Mais tarde Ofélia aparecia para a visita. Eu batia a máquina,
de vez em quando aquiescia distraída. A voz igual da menina, voz de quem
fala de cor, me entontecia um pouco, entrava por entre as palavras escritas; ela
dizia, ela dizia.
Foi quando me pareceu que de repente tudo parara. Sentindo falta do
suplício, olhei-a enevoada. Ofélia Maria estava de cabeça a prumo, com os
cachos inteiramente imobilizados.
- Que é isso, disse.
- Isso o quê?
- Isso! disse inflexível.
- Isso?
Ficaríamos indefinidamente numa roda de "isso?" e "isso!", não fosse a
força excepcional daquela criança, que, sem uma palavra, apenas com a
extrema autoridade do olhar, me obrigasse a ouvir o que ela própria ouvia. No
silêncio da atenção a que ela me forçara, ouvi finalmente o fraco piar do pinto
na cozinha.
- É o pinto.
- Pinto? disse desconfiadíssima.
- Comprei um pinto, respondi resignada.
- Pinto! repetiu como se eu a tivesse insultado.
- Pinto.
E nisso ficaríamos. Não fosse certa coisa que vi e que antes nunca vira.
O que era? Mas, o que fosse, não estava mais ali. Um pinto faiscara um
segundo em seus olhos e neles submergira para nunca ter existido. E a sombra
se fizera. Uma sombra profunda cobrindo a terra. Do instante em que
involuntariamente sua boca estremecendo quase pensara "eu também quero",
desse instante a escuridão se adensara no fundo dos olhos num desejo retrátil
que, se tocassem, mais se fecharia como folha de dormideira. E que recuava diante do impossível, o impossível que se aproximara e, em tentação, fora
quase dela: o escuro dos olhos vacilou como um ouro. Uma astúcia passou-lhe
então pelo rosto - se eu não estivesse ali, por astúcia, ela roubaria qualquer
coisa. Nos olhos que pestanejaram à dissimulada sagacidade, nos olhos a
grande tendência à rapina. Olhou-me rápida, e era a inveja, você tem tudo, e a
censura, porque não somos a mesma e eu terei um pinto, e a cobiça - ela me
queria para ela. Devagar fui me reclinando no espaldar da cadeira, sua inveja
que desnudava minha pobreza, e deixava minha pobreza pensativa; não
estivesse eu ali, e ela roubava minha pobreza também; ela queria tudo. Depois
que o tremor da cobiça passou, o escuro dos olhos sofreu todo: não era
somente a um rosto sem cobertura que eu a expunha, agora eu a expusera ao
melhor do mundo: a um pinto. Sem me verem, seus olhos quentes me fitavam
numa abstração intensa que se punha em íntimo contato com minha
intimidade. Alguma coisa acontecia que eu não conseguia entender a olho nu.
E de novo o desejo voltou. Dessa vez os olhos se angustiaram como se nada
pudessem fazer com o resto do corpo que se desprendia independente. E
mais se alargavam, espantados com o esforço físico da decomposição que
dentro dela se fazia. A boca delicada ficou um pouco infantil, de um roxo
pisado. Olhou para o teto - as olheiras davam-lhe um ar de martírio supremo.
Sem me mexer, eu a olhava. Eu sabia de grande incidência de mortalidade
infantil. Nela a grande pergunta me envolvia: vale a pena? Não sei, disse-lhe
minha quietude cada vez maior, mas é assim. Ali, diante de meu silêncio, ela
estava se dando ao processo, e se me perguntava a grande pergunta, tinha que
ficar sem resposta. Tinha que se dar - por nada. Teria que ser. E por nada. Ela
se agarrava em si, não querendo. Mas eu esperava. Eu sabia que nós somos
aquilo que tem de acontecer. Eu só podia servir-lhe a ela de silêncio. E,
deslumbrada de desentendimento, ouvia bater dentro de mim um coração que
não era o meu. Diante de meus olhos fascinados, ali diante de mim, como um
ectoplasma, ela estava se transformando em criança.
Não sem dor. Em silêncio eu via a dor de sua alegria difícil. A lenta cólica
de um caracol. Ela passou devagar a língua pelos lábios finos. (Me ajuda, disse
seu corpo na bipartição penosa. Estou ajudando, respondeu minha
imobilidade.) A agonia lenta. Ela estava engrossando toda, a deformar-se com
lentidão. Por momentos os olhos tornavam-se puros cílios, numa avidez de
ovo. E a boca de uma fome trêmula. Quase sorria então, como se estendida
numa mesa de operação dissesse que não estava doendo tanto. Ela não me
perdia de vista: havia marcas de pés que ela não via, por ali alguém já tinha
andado, e ela adivinhava que eu tinha andado muito. Mais e mais se
deformava, quase idêntica a si mesma. Arrisco? deixo eu sentir?, perguntava-se
nela. Sim, respondeu-se por mim.
E o meu primeiro sim embriagou-me. Sim, repetiu meu silêncio para o
dela, sim. Como na hora de meu filho nascer eu lhe dissera: sim. Eu tinha a
ousadia de dizer sim a Ofélia, eu que sabia que também se morre em criança
sem ninguém perceber. Sim, repeti embriagada, porque o perigo maior não existe: quando se vai, se vai junto, você mesma sempre estará; isso, isso você
levará consigo para o que for ser.
A agonia de seu nascimento. Até então eu nunca vira a coragem. A
coragem de ser o outro que se é, a de nascer do próprio parto, e de largar no
chão o corpo antigo. E sem lhe terem respondido se valia a pena. "Eu”,
tentava dizer seu corpo molhado pelas águas. Suas núpcias consigo mesma.
Ofélia perguntou devagar, com recato pelo que lhe acontecia:
- É um pinto? Não olhei para ela.
- É um pinto, sim.
Da cozinha vinha o fraco piar. Ficamos em silêncio como se Jesus tivesse
nascido. Ofélia respirava, respirava.
- Um pintinho? certificou-se em dúvida.
- Um pintinho, sim, disse eu guiando-a com cuidado para a vida.
- Ah, um pintinho, disse meditando.
- Um pintinho, disse eu sem brutalizá-la.
Já há alguns minutos eu me achava diante de uma criança. Fizera-se a
metamorfose.
- Ele está na cozinha.
- Na cozinha? repetiu fazendo-se de desentendida.
- Na cozinha, repeti pela primeira vez autoritária, sem acrescentar mais
nada.
- Ah, na cozinha, disse Ofélia muito fingida, e olhou para o teto.
Mas ela sofria. Com alguma vergonha notei afinal que estava me
vingando. A outra sofria, fingia, olhava para o teto. A boca, as olheiras.
- Você pode ir pra cozinha brincar com o pintinho.
- Eu...? perguntou sonsa.
- Mas só se você quiser.
Sei que deveria ter mandado, para não expô-la à humilhação de querer
tanto. Sei que não lhe deveria ter dado a escolha, e então ela teria a desculpa
de que fora obrigada a obedecer. Mas naquele momento não era por vingança
que eu lhe dava o tormento da liberdade. É que aquele passo, também aquele
passo ela deveria dar sozinha. Sozinha e agora. Ela é que teria de ir à
montanha. Por que - confundia-me eu - por que estou tentando soprar minha
vida na sua boca roxa? por que estou lhe dando uma respiração? como ouso
respirar dentro dela, se eu mesma... - somente para que ela ande, estou lhe
dando os passos penosos? sopro-lhe minha vida só para que um dia, exausta,
ela por um instante sinta como se a montanha tivesse caminhado até ela?
Teria eu o direito. Mas não tinha escolha. Era uma emergência como se
os lábios da menina estivessem cada vez mais roxos.
- Só vá ver o pintinho se você quiser, repeti então com a extrema dureza
de quem salva.
Ficamos nos defrontando, dessemelhantes, corpo separado de corpo;
somente a hostilidade nos unia. Eu estava seca e inerte na cadeira para que a
menina se fizesse por dentro de outro ser, firme para que ela lutasse dentro de mim; cada vez mais forte à medida que Ofélia precisasse me odiar e precisasse
que eu resistisse ao sofrimento de seu ódio. Não posso viver isso por você -
disse-lhe minha frieza. Sua luta se fazia cada vez mais próxima e em mim,
como se aquele indivíduo que nascera extraordinariamente dotado de força
estivesse bebendo de minha fraqueza. Ao me usar ela me machucava com sua
força; ela me arranhava ao tentar agarrar-se às minhas paredes lisas. Afinal sua
voz soou em baixa e lenta raiva:
- Pois vou ver o pinto na cozinha.
- Vá sim, disse eu devagar.
Retirou-se pausada, procurava manter a dignidade das costas.
Da cozinha voltou imediatamente - estava espantada, sem pudor,
mostrando na mão o pinto, e numa perplexidade que me indagava toda com
os olhos:
- É um pintinho! disse.
Olhou-o na mão que se estendia, olhou-me, olhou de novo a mão - e de
súbito encheu-se de um nervoso e de uma preocupação que me envolveram
automaticamente em nervoso e preocupação.
- Mas é um pintinho! disse, e imediatamente a censura passou-lhe pelos
olhos como se eu não lhe tivesse dito quem piava.
Ri. Ofélia olhou-me, ultrajada. E de repente - de repente riu. Ambas então
rimos, um pouco agudas.
Depois que rimos, Ofélia pôs o pinto no chão para andar. Se ele corria,
ela ia atrás, parecia só deixá-lo autônomo para sentir saudade; mas se ele se
encolhia, pressurosa ela o protegia, com pena de ele estar sob o seu domínio,
"coitado dele, ele é meu"; e quando o segurava, era com mão torta pela
delicadeza - era o amor, sim, o tortuoso amor. Ele é muito pequeno, portanto
precisa é de muito trato, a gente não pode fazer carinho porque tem os
perigos mesmo; não deixe pegarem nele à toa, a senhora faz o que quiser, mas
milho é grande demais para o biquinho aberto dele; porque ele é molezinho,
coitado, tão novo, portanto a senhora não pode deixar seus filhos fazerem
carinho nele; só eu sei que carinho ele gosta; ele escorrega à toa, portanto chão
de cozinha não é lugar para pintinho.
Há muito tempo eu tentava de novo bater a máquina procurando
recuperar o tempo perdido e Ofélia me embalando, e aos poucos falando só
para o pintinho, e amando de amor. Pela primeira vez me largara, ela não era
mais eu. Olhei-a, toda de ouro que ela estava, e o pinto todo de ouro, e os
dois zumbiam como roca e fuso. Também minha liberdade afinal, e sem
ruptura; adeus, e eu sorria de saudade.
Muito depois percebi que era comigo que Ofélia falava.
- Acho... acho que vou botar ele na cozinha.
- Pois vá.
Não vi quando foi, não vi quando voltou. Em algum momento, por acaso
e distraída, senti há quanto tempo havia silêncio. Olhei-a um instante. Estava
sentada, de dedos cruzados no colo. Sem saber exatamente por quê, olhei-a uma segunda vez:
- Que é?
- Eu...?
- Está sentindo alguma coisa?
- Eu...?
- Quer ir no banheiro?
- Eu...?
Desisti, voltei à máquina. Algum tempo depois ouvi a voz:
- Vou ter que ir para casa.
- Está certo.
- Se a senhora deixar. Olhei-a em surpresa:
- Ora, se você quiser...
- Então, disse, então eu vou.
Foi andando devagar, cerrou a porta sem ruído. Fiquei olhando a porta
fechada. Esquisita é você, pensei. Voltei ao trabalho.
Mas não conseguia sair da mesma frase. Bem - pensei impaciente olhando
o relógio - e agora o que é? Fiquei me indagando sem gosto, procurando em
mim mesma o que poderia estar me interrompendo. Quando já desistia, revi
uma cara extremamente quieta: Ofélia. Menos que uma idéia passou-me então
pela cabeça e, ao inesperado, esta se inclinou para ouvir melhor o que eu
sentia. Devagar empurrei a máquina. Relutante fui afastando devagar as
cadeiras do caminho. Até parar devagar à porta da cozinha. No chão estava o
pinto morto. Ofélia! chamei num impulso pela menina fugida.
A uma distância infinita eu via o chão. Ofélia, tentei eu inutilmente atingir
à distância o coração da menina calada. Oh, não se assuste muito! às vezes a
gente mata por amor, mas juro que um dia a gente esquece, juro! A gente não
ama bem, ouça, repeti como se pudesse alcançá-la antes que, desistindo de
servir ao verdadeiro, ela fosse altivamente servir ao nada. Eu que não me
lembrara de lhe avisar que sem o medo havia o mundo. Mas juro que isso é a
respiração. Eu estava muito cansada, sentei-me no banco da cozinha.
Onde agora estou, batendo devagar o bolo de amanhã. Sentada, como se
durante todos esses anos eu tivesse com paciência esperado na cozinha.
Embaixo da mesa, estremece o pinto de hoje. O amarelo é o mesmo, o bico é
o mesmo. Como na Páscoa nos é prometido, em dezembro ele volta. Ofélia é
que não voltou: cresceu. Foi ser a princesa hindu por quem no deserto sua
tribo esperava.
OS OBEDIENTES
Trata-se de uma situação simples, um fato a contar e esquecer.
Mas se alguém comete a imprudência de parar um instante a mais do que
deveria, um pé afunda dentro e fica-se comprometido. Desde esse instante em
que também nós nos arriscamos, já não se trata mais de um fato a contar, começam a faltar as palavras que não o trairiam. A essa altura, afundados
demais, o fato deixou de ser um fato para se tornar apenas a sua difusa
repercussão. Que, se for retardada demais, vem um dia explodir como nesta
tarde de domingo, quando há semanas não chove e quando, como hoje, a
beleza ressecada persiste embora em beleza. Diante da qual assumo uma
gravidade como diante de um túmulo. A essa altura, por onde anda o fato
inicial? ele se tornou esta tarde. Sem saber como lidar com ela, hesito em ser
agressiva ou recolher-me um pouco ferida. O fato inicial está suspenso na
poeira ensolarada deste domingo - até que me chamam ao telefone e num
salto vou lamber grata a mão de quem me ama e me liberta.
Cronologicamente a situação era a seguinte: um homem e uma mulher
estavam casados.
Já em constatar este fato, meu pé afundou dentro.
Fui obrigada a pensar em alguma coisa. Mesmo que eu nada mais
dissesse, e encerrasse a história com esta constatação, já me teria
comprometido com os meus mais desconhecíveis pensamentos. Já seria como
se eu tivesse visto, risco negro sobre fundo branco, um homem e uma mulher.
E nesse fundo branco meus olhos se fixariam já tendo bastante o que ver, pois
toda palavra tem a sua sombra.
Esse homem e essa mulher começaram - sem nenhum objetivo de ir
longe demais, e não se sabe levados por que necessidade que pessoas têm -
começaram a tentar viver mais intensamente. A procura do destino que nos
precede? e ao qual o instinto quer nos levar? instinto?!
A tentativa de viver mais intensamente levou-os, por sua vez, numa
espécie de constante verificação de receita e despesa, a tentar pesar o que era e
o que não era importante. Isso eles o faziam a modo deles: com falta de jeito e
de experiência, com modéstia. Eles tateavam. Num vício por ambos
descoberto tarde demais na vida, cada qual pelo seu lado tentava
continuamente distinguir o que era do que não era essencial, isto é, eles nunca
usariam a palavra essencial, que não pertencia a seu ambiente. Mas de nada
adiantava o vago esforço quase constrangido que faziam: a trama lhes
escapava diariamente. Só, por exemplo, olhando para o dia passado é que
tinham a impressão de ter - de algum modo e por assim dizer à revelia deles, e
por isso sem mérito - a impressão de ter vivido. Mas então era de noite, eles
calçavam os chinelos e era de noite.
Isso tudo não chegava a formar uma situação para o casal. Quer dizer,
algo que cada um pudesse contar mesmo a si próprio na hora em que cada um
se virava na cama para um lado e, por um segundo antes de dormir, ficava de
olhos abertos. E pessoas precisam tanto poder contar a história delas mesmas.
Eles não tinham o que contar. Com um suspiro de conforto, fechavam os
olhos e dormiam agitados. E quando faziam o balanço de suas vidas, nem ao
menos podiam nele incluir essa tentativa de viver mais intensamente, e
descontá-la, como em imposto de renda. Balanço que pouco a pouco
começavam a fazer com maior freqüência, mesmo sem o equipamento técnico de uma terminologia adequada a pensamentos. Se se tratava de uma situação,
não chegava a ser uma situação de que viver ostensivamente.
Mas não era apenas assim que sucedia. Na verdade também estavam
calmos porque "não conduzir", "não inventar", "não errar" lhes era, muito
mais que um hábito, um ponto de honra assumido tacitamente. Eles nunca se
lembrariam de desobedecer.
Tinham a compenetração briosa que lhes viera da consciência nobre de
serem duas pessoas entre milhões iguais. "Ser um igual" fora o papel que lhes
coubera, e a tarefa a eles entregue. Os dois, condecorados, graves,
correspondiam grata e civicamente à confiança que os iguais haviam
depositado neles. Pertenciam a uma casta. O papel que cumpriam, com certa
emoção e com dignidade, era o de pessoas anônimas, o de filhos de Deus,
como num clube de pessoas.
Talvez apenas devido à passagem insistente do tempo tudo isso
começara, porém, a se tornar diário, diário, diário. Às vezes arfante. (Tanto o
homem como a mulher já tinham iniciado a idade crítica.) Eles abriam as
janelas e diziam que fazia muito calor. Sem que vivessem propriamente no
tédio, era como se nunca lhes mandassem notícias. O tédio, aliás, fazia parte
de uma vida de sentimentos honestos.
Mas, enfim, como isso tudo não lhes era compreensível, e achava-se
muitos e muitos pontos acima deles, e se fosse expresso em palavras eles não
o reconheceriam - tudo isso, reunido e considerado já como passado,
assemelhava-se à vida irremediável. A qual eles se submetiam com um silêncio
de multidão e com o ar um pouco magoado que têm os homens de boavontade. Assemelhava-se à vida irremediável para a qual Deus nos quis.
Vida irremediável, mas não concreta. Na verdade era uma vida de sonho.
Às vezes, quando falavam de alguém excêntrico, diziam com a benevolência
que uma classe tem por outra: "Ah, esse leva uma vida de poeta". Pode-se
talvez dizer, aproveitando as poucas palavras que se conheceram do casal,
pode-se dizer que ambos levavam, menos a extravagância, uma vida de mau
poeta: vida de sonho.
Não, não é verdade. Não era uma vida de sonho, pois este jamais os
orientara. Mas de irrealidade. Embora houvesse momentos em que de
repente, por um motivo ou por outro, eles afundassem na realidade. E então
lhes parecia ter tocado num fundo de onde ninguém pode passar.
Como, por exemplo, quando o marido voltava para casa mais cedo do
que de hábito e a esposa ainda não havia regressado de alguma compra ou
visita. Para o marido interrompia-se então uma corrente. Ele se sentava
cuidadoso para ler o jornal, dentro de um silêncio tão calado que mesmo uma
pessoa morta ao lado quebraria. Ele fingindo com severa honestidade uma
atenção minuciosa ao jornal, os ouvidos atentos. Nesse momento é que o
marido tocava no fundo com pés surpreendidos. Não poderia permanecer
muito tempo assim, sem risco de afogar-se, pois tocar no fundo também
significa ter a água acima da cabeça. Eram assim os seus momentos concretos. O que fazia com que ele, lógico e sensato, se safasse depressa. Safava-se
depressa, embora curiosamente a contragosto, pois a ausência da esposa era
uma tal promessa de prazer perigoso que ele experimentava o que seria a
desobediência. Safava-se a contragosto mas sem discutir, obedecendo ao que
dele esperavam. Não era um desertor que traísse a confiança dos outros. Além
do mais, se esta é que era a realidade, não havia como viver nela ou dela.
A esposa, esta tocava na realidade com mais freqüência, pois tinha mais
lazer e menos ao que chamar de fatos, assim como colegas de trabalho, ônibus
cheio, palavras administrativas. Sentava-se para emendar roupa, e pouco a
pouco vinha vindo a realidade. Era intolerável enquanto durava a sensação de
estar sentada a emendar roupa. O modo súbito do ponto cair no i, essa
maneira de caber inteiramente no que existia e de tudo ficar tão nitidamente
aquilo mesmo - era intolerável. Mas, quando passava, era como se a esposa
tivesse bebido de um futuro possível. Aos poucos o futuro dessa mulher
passou a se tornar algo que ela trazia para o presente, alguma coisa meditativa
e secreta.
Era surpreendente de como os dois não eram tocados, por exemplo, pela
política, pela mudança de governo, pela evolução de um modo geral, embora
também falassem às vezes a respeito, como todo o mundo. Na verdade eram
pessoas tão reservadas que se surpreenderiam, lisonjeadas, se alguma vez lhes
dissessem que eram reservadas. Nunca lhes ocorreria que se chamava assim.
Talvez entendessem mais se lhes dissessem: "vocês simbolizam a nossa
reserva militar". Deles alguns conhecidos disseram, depois que tudo sucedeu:
eram boa gente. E nada mais havia a dizer, pois que o eram.
Nada mais havia a dizer. Faltava-lhes o peso de um erro grave, que tantas
vezes é o que abre por acaso uma porta. Alguma vez eles tinham levado muito
a sério alguma coisa. Eles eram obedientes.
Também não apenas por submissão: como num soneto, era obediência
por amor à simetria. A simetria lhes era a arte possível.
Como foi que cada um deles chegou à conclusão de que, sozinho, sem o
outro, viveria mais - seria caminho longo para se reconstruir, e de inútil
trabalho, pois de vários cantos muitos já chegaram ao mesmo ponto.
A esposa, sob a fantasia contínua, não só chegou temerariamente a essa
conclusão como esta transformou sua vida em mais alargada e perplexa, em
mais rica, e até supersticiosa. Cada coisa parecia o sinal de outra coisa, tudo
era simbólico, e mesmo um pouco espírita dentro do que o catolicismo
permitiria. Não só ela passou temerariamente a isso como - provocada
exclusivamente pelo fato de ser mulher - passou a pensar que um outro
homem a salvaria. O que não chegava a ser um absurdo. Ela sabia que não
era. Ter meia razão a confundia, mergulhava-a em meditação.
O marido, influenciado pelo ambiente de masculinidade aflita em que
vivia, e pela sua própria, que era tímida mas efetiva, começou a pensar que
muitas aventuras amorosas seriam a vida.
Sonhadores, eles passaram a sofrer sonhadores, era heróico suportar. Calados quanto ao entrevisto por cada um, discordando quanto à hora mais
conveniente de jantar, um servindo de sacrifício para o outro, amor é
sacrifício.
Assim chegamos ao dia em que, há muito tragada pelo sonho, a mulher,
tendo dado uma mordida numa maçã, sentiu quebrar-se um dente da frente.
Com a maçã ainda na mão e olhando-se perto demais no espelho do banheiro
- e deste modo perdendo de todo a perspectiva - viu uma cara pálida, de meiaidade, com um dente quebrado, e os próprios olhos... tocando o fundo, e com
a água já pelo pescoço, com cinqüenta e tantos anos, sem um bilhete, em vez
de ir ao dentista, jogou-se pela janela do apartamento, pessoa pela qual tanta
gratidão se poderia sentir, reserva militar e sustentáculo de nossa
desobediência.
Quanto a ele, uma vez seco o leito do rio e sem nenhuma água que o
afogasse, ele andava sobre o fundo sem olhar para o chão, expedito como se
usasse bengala. Seco inesperadamente o leito do rio, andava perplexo e sem
perigo sobre o fundo com uma lepidez de quem vai cair de bruços mais
adiante.
A REPARTIÇÃO DOS PÃES
Era sábado e estávamos convidados para o almoço de obrigação. Mas
cada um de nós gostava demais de sábado para gastá-lo com quem não
queríamos. Cada um fora alguma vez feliz e ficara com a marca do desejo. Eu,
eu queria tudo. E nós ali presos, como se nosso trem tivesse descarrilado e
fôssemos obrigados a pousar entre estranhos. Ninguém ali me queria, eu não
queria a ninguém. Quanto a meu sábado - que fora da janela se balançava em
acácias e sombras - eu preferia, a gastá-lo mal, fechá-lo na mão dura, onde eu
o amarfanhava como a um lenço. À espera do almoço, bebíamos sem prazer,
à saúde do ressentimento: amanhã já seria domingo. Não é com você que eu
quero, dizia nosso olhar sem umidade, e soprávamos devagar a fumaça do
cigarro seco. A avareza de não repartir o sábado ia pouco a pouco roendo e
avançando como ferrugem, até que qualquer alegria seria um insulto à alegria
maior.
Só a dona da casa não parecia economizar o sábado para usá-lo numa
quinta de noite. Ela, no entanto, cujo coração já conhecera outros sábados.
Como pudera esquecer que se quer mais e mais? Não se impacientava sequer
com o grupo heterogêneo, sonhador e resignado que na sua casa só esperava
como pela hora do primeiro trem partir, qualquer trem - menos ficar naquela
estação vazia, menos ter que refrear o cavalo que correria de coração batendo
para outros, outros cavalos.
Passamos afinal à sala para um almoço que não tinha a bênção da fome.
E foi quando surpreendidos deparamos com a mesa. Não podia ser para nós...
Era uma mesa para homens de boa-vontade. Quem seria o conviva realmente esperado e que não viera? Mas éramos nós mesmos. Então aquela
mulher dava o melhor não importava a quem? E lavava contente os pés do
primeiro estrangeiro. Constrangidos, olhávamos.
A mesa fora coberta por uma solene abundância. Sobre a toalha branca
amontoavam-se espigas de trigo. E maçãs vermelhas, enormes cenouras
amarelas, redondos tomates de pele quase estalando, chuchus de um verde
líquido, abacaxis malignos na sua selvageria, laranjas alaranjadas e calmas,
maxixes eriçados como porcos-espinhos, pepinos que se fechavam duros
sobre a própria carne aquosa, pimentões ocos e avermelhados que ardiam nos
olhos - tudo emaranhado em barbas e barbas úmidas de milho, ruivas como
junto de uma boca. E os bagos de uva. As mais roxas das uvas pretas e que
mal podiam esperar pelo instante de serem esmagadas. E não lhes importava
esmagadas por quem. Os tomates eram redondos para ninguém: para o ar,
para o redondo ar. Sábado era de quem viesse. E a laranja adoçaria a língua de
quem primeiro chegasse. Junto do prato de cada mal-convidado, a mulher que
lavava pés de estranhos pusera - mesmo sem nos eleger, mesmo sem nos amar
- um ramo de trigo ou um cacho de rabanetes ardentes ou uma talhada
vermelha de melancia com seus alegres caroços. Tudo cortado pela acidez
espanhola que se adivinhava nos limões verdes. Nas bilhas estava o leite,
como se tivesse atravessado com as cabras o deserto dos penhascos. Vinho,
quase negro de tão pisado, estremecia em vasilhas de barro. Tudo diante de
nós. Tudo limpo do retorcido desejo humano. Tudo como é, não como
quiséramos. Só existindo, e todo. Assim como existe um campo. Assim como
as montanhas. Assim como homens e mulheres, e não nós, os ávidos. Assim
como um sábado. Assim como apenas existe. Existe.
Em nome de nada, era hora de comer. Em nome de ninguém, era bom.
Sem nenhum sonho. E nós pouco a pouco a par do dia, pouco a pouco
anonimizados, crescendo, maiores, à altura da vida possível. Então, como
fidalgos camponeses, aceitamos a mesa.
Não havia holocausto: aquilo tudo queria tanto ser comido quanto nós
queríamos comê-lo. Nada guardando para o dia seguinte, ali mesmo ofereci o
que eu sentia àquilo que me fazia sentir. Era um viver que eu não pagara de
antemão com o sofrimento da espera, fome que nasce quando a boca já está
perto da comida. Porque agora estávamos com fome, fome inteira que
abrigava o todo e as migalhas. Quem bebia vinho, com os olhos tomava conta
do leite. Quem lento bebeu o leite, sentiu o vinho que o outro bebia. Lá fora
Deus nas acácias. Que existiam. Comíamos. Como quem dá água ao cavalo. A
carne trinchada foi distribuída. A cordialidade era rude e rural. Ninguém falou
mal de ninguém porque ninguém falou bem de ninguém. Era reunião de
colheita, e fez-se trégua. Comíamos. Como uma horda de seres vivos,
cobríamos gradualmente a terra. Ocupados como quem lavra a existência, e
planta, e colhe, e mata, e vive, e morre, e come. Comi com a honestidade de
quem não engana o que come: comi aquela comida e não o seu nome. Nunca
Deus foi tão tomado pelo que Ele é. A comida dizia rude, feliz, austera: come, come e reparte. Aquilo tudo me pertencia, aquela era a mesa de meu pai. Comi
sem ternura, comi sem a paixão da piedade. E sem me oferecer à esperança.
Comi sem saudade nenhuma. E eu bem valia aquela comida. Porque nem
sempre posso ser a guarda de meu irmão, e não posso mais ser a minha
guarda, ah não me quero mais. E não quero formar a vida porque a existência
já existe. Existe como um chão onde nós todos avançamos. Sem uma palavra
de amor. Sem uma palavra. Mas teu prazer entende o meu. Nós somos fortes
e nós comemos. Pão é amor entre estranhos.
UMA ESPERANÇA
Aqui em casa pousou uma esperança. Não a clássica que tantas vezes
verifica-se ser ilusória, embora mesmo assim nos sustente sempre. Mas a
outra, bem concreta e verde: o inseto.
Houve um grito abafado de um de meus filhos:
- Uma esperança! e na parede bem em cima de sua cadeira! Emoção dele
também que unia em uma só as duas esperanças, já tem idade para isso. Antes
surpresa minha: esperança é coisa secreta e costuma pousar diretamente em
mim, sem ninguém saber, e não acima de minha cabeça numa parede.
Pequeno rebuliço: mas era indubitável, lá estava ela, e mais magra e verde não
podia ser.
- Ela quase não tem corpo, queixei-me.
- Ela só tem alma, explicou meu filho e, como filhos são uma surpresa
para nós, descobri com surpresa que ele falava das duas esperanças.
Ela caminhava devagar sobre os fiapos das longas pernas, por entre os
quadros da parede. Três vezes tentou renitente uma saída entre dois quadros,
três vezes teve que retroceder caminho. Custava a aprender.
- Ela é burrinha, comentou o menino.
- Sei disso, respondi um pouco trágica.
- Está agora procurando outro caminho, olhe, coitada, como ela hesita.
- Sei, é assim mesmo.
- Parece que esperança não tem olhos, mamãe, é guiada pelas antenas.
- Sei, continuei mais infeliz ainda.
Ali ficamos, não sei quanto tempo olhando. Vigiando-a como se vigiava
na Grécia ou em Roma o começo de fogo do lar para que não apagasse.
- Ela se esqueceu de que pode voar, mamãe, e pensa que só pode andar
devagar assim.
Andava mesmo devagar - estaria por acaso ferida? Ah não, senão de um
modo ou de outro escorreria sangue, tem sido sempre assim comigo.
Foi então que farejando o mundo que é comível, saiu de trás de um
quadro uma aranha. Não uma aranha, mas me parecia "a" aranha. Andando
pela sua teia invisível, parecia transladar-se maciamente no ar. Ela queria a
esperança. Mas nós também queríamos e, oh! Deus, queríamos menos que comê-la. Meu filho foi buscar a vassoura. Eu disse fracamente, confusa, sem
saber se chegara infelizmente a hora certa de perder a esperança:
- É que não se mata aranha, me disseram que trás sorte...
- Mas ela vai esmigalhar a esperança! respondeu o menino com
ferocidade.
- Preciso falar com a empregada para limpar atrás dos quadros - falei
sentindo a frase deslocada e ouvindo o certo cansaço que havia na minha voz.
Depois devaneei um pouco de como eu seria sucinta e misteriosa com a
empregada: eu lhe diria apenas: você faz o favor de facilitar o caminho da
esperança.
O menino, morta a aranha, fez um trocadilho, com o inseto e a nossa
esperança. Meu outro filho, que estava vendo televisão, ouviu e riu de prazer.
Não havia dúvida: a esperança pousara em casa, alma e corpo.
Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é um esqueletinho
verde, e tem uma forma tão delicada que isso explica por que eu, que gosto de
pegar nas coisas, nunca tentei pegá-la.
Uma vez, aliás, agora é que me lembro, uma esperança bem menor que
esta, pousara no meu braço. Não senti nada, de tão leve que era, foi só
visualmente que tomei consciência de sua presença. Encabulei com a
delicadeza. Eu não mexia o braço e pensei: "e essa agora? que devo fazer?"
Em verdade nada fiz. Fiquei extremamente quieta como se uma flor tivesse
nascido em mim. Depois não me lembro mais o que aconteceu. E, acho que
não aconteceu nada.
MACACOS
Da primeira vez que tivemos em casa um mico foi perto do Ano-Novo.
Estávamos sem água e sem empregada, fazia-se fila para carne, o calor
rebentara - e foi quando, muda de perplexidade, vi o presente entrar em casa,
já comendo banana, já examinando tudo com grande rapidez e um longo rabo.
Mais parecia um macacão ainda não crescido, suas potencialidades eram
tremendas. Subia pela roupa estendida na corda, de onde dava gritos de
marinheiro, e jogava cascas de banana onde caíssem. E eu exausta. Quando
me esquecia e entrava distraída na área de serviço, o grande sobressalto: aquele
homem alegre ali. Meu menino menor sabia, antes de eu saber, que eu me
desfaria do gorila: "E se eu prometer que um dia o macaco vai adoecer e
morrer, você deixa ele ficar? e se você soubesse que de qualquer jeito ele um
dia vai cair da janela e morrer lá embaixo?" Meus sentimentos desviavam o
olhar. A inconsciência feliz e imunda do macacão-pequeno tornava-me
responsável pelo seu destino, já que ele próprio não aceitava culpas. Uma
amiga entendeu de que amargura era feita a minha aceitação, de que crimes se
alimentava meu ar sonhador, e rudemente me salvou: meninos de morro apareceram numa zoada feliz, levaram o homem que ria, e no desvitalizado
Ano-Novo eu pelo menos ganhei uma casa sem macaco.
Um ano depois, acabava eu de ter uma alegria, quando ali em Copacabana
vi o agrupamento. Um homem vendia macaquinhos. Pensei nos meninos, nas
alegrias que eles me davam de graça, sem nada a ver com as preocupações que
também de graça me davam, imaginei uma cadeia de alegria: "Quem receber
esta, que a passe a outro", e outro para outro, como o frêmito num rastro de
pólvora. E ali mesmo comprei a que se chamaria Lisette.
Quase cabia na mão. Tinha saia, brincos, colar e pulseira de baiana. E um
ar de imigrante que ainda desembarca com o traje típico de sua terra. De
imigrante também eram os olhos redondos.
Quanto a essa, era mulher em miniatura. Três dias esteve conosco. Era de
uma tal delicadeza de ossos. De uma tal extrema doçura. Mais que os olhos, o
olhar era arredondado. Cada movimento, e os brincos estremeciam; a saia
sempre arrumada, o colar vermelho brilhante. Dormia muito, mas para comer
era sóbria e cansada. Seus raros carinhos eram só mordida leve que não
deixava marca.
No terceiro dia estávamos na área de serviço admirando Lisette e o modo
como ela era nossa. "Um pouco suave demais", pensei com saudade do meu
gorila. E de repente foi meu coração respondendo com muita dureza: "Mas
isso não é doçura. Isto é morte". A secura da comunicação deixou-me quieta.
Depois eu disse aos meninos: "Lisette está morrendo". Olhando-a, percebi
então até que ponto de amor já tínhamos ido. Enrolei Lisette num
guardanapo, fui com os meninos para o primeiro pronto-socorro, onde o
médico não podia atender porque operava de urgência um cachorro. Outro
táxi. - Lisette pensa que está passeando, mamãe - outro hospital. Lá deram-lhe
oxigênio.
E com o sopro de vida, subitamente revelou-se uma Lisette que
desconhecíamos. De olhos muito menos redondos, mais secretos, mais aos
risos e na cara prognata e ordinária uma certa altivez irônica; um pouco mais
de oxigênio, e deu-lhe uma vontade de falar que ela mal agüentava ser macaca;
era, e muito teria a contar. Breve, porém, sucumbia de novo, exausta. Mais
oxigênio e dessa vez uma injeção de soro a cuja picada ela reagiu com um
tapinha colérico, de pulseira tilintando. O enfermeiro sorriu: "Lisette, meu
bem, sossega!"
O diagnóstico: não ia viver, a menos que tivesse oxigênio à mão e, mesmo
assim, improvável. "Não se compra macaco na rua", censurou-me ele
abanando a cabeça, "às vezes já vem doente". Não, tinha-se que comprar
macaca certa, saber da origem, ter pelo menos cinco anos de garantia do amor,
saber do que fizera ou não fizera, como se fosse para casar. Resolvi um
instante com os meninos. E disse para o enfermeiro: "O senhor está gostando
muito de Lisette. Pois se o senhor deixar ela passar uns dias perto do oxigênio,
no que ela ficar boa, ela é sua". Mas ele pensava. "Lisette é bonita!", implorei
eu. "É linda", concordou ele pensativo. Depois ele suspirou e disse: "Se eu curar Lisette, ela é sua". Fomos embora, de guardanapo vazio.
No dia seguinte telefonaram, e eu avisei aos meninos que Lisette morrera.
O menor me perguntou: "Você acha que ela morreu de brincos?" Eu disse
que sim. Uma semana depois o mais velho me disse: "Você parece tanto com
Lisette!" "Eu também gosto de você", respondi.
OS DESASTRES DE SOFIA
Qualquer que tivesse sido o seu trabalho anterior, ele o abandonara,
mudara de profissão, e passara pesadamente a ensinar no curso primário: era
tudo o que sabíamos dele.
O professor era gordo, grande e silencioso, de ombros contraídos. Em
vez de nó na garganta, tinha ombros contraídos. Usava paletó curto demais,
óculos sem aro, com um fio de ouro encimando o nariz grosso e romano. E
eu era atraída por ele. Não amor, mas atraída pelo seu silêncio e pela
controlada impaciência que ele tinha em nos ensinar e que, ofendida, eu
adivinhara. Passei a me comportar mal na sala. Falava muito alto, mexia com
os colegas, interrompia a lição com piadinhas, até que ele dizia, vermelho:
- Cale-se ou expulso a senhora da sala.
Ferida, triunfante, eu respondia em desafio: pode me mandar! Ele não
mandava, senão estaria me obedecendo. Mas eu o exasperava tanto que se
tornara doloroso para mim ser o objeto do ódio daquele homem que de certo
modo eu amava. Não o amava como a mulher que eu seria um dia, amava-o
como uma criança que tenta desastradamente proteger um adulto, com a
cólera de quem ainda não foi covarde e vê um homem forte de ombros tão
curvos. Ele me irritava. De noite, antes de dormir, ele me irritava. Eu tinha
nove anos e pouco, dura idade como o talo não quebrado de uma begônia. Eu
o espicaçava, e ao conseguir exacerbá-lo sentia na boca, em glória de martírio,
a acidez insuportável da begônia quando é esmagada entre os dentes; e roía as
unhas, exultante. De manhã, ao atravessar os portões da escola, pura como ia
com meu café com leite e a cara lavada, era um choque deparar em carne e
osso com o homem que me fizera devanear por um abismal minuto antes de
dormir. Em superfície de tempo fora um minuto apenas, mas em
profundidade eram velhos séculos de escuríssima doçura. De manhã - como
se eu não tivesse contado com a existência real daquele que desencadeara
meus negros sonhos de amor - de manhã, diante do homem grande com seu
paletó curto, em choque eu era jogada na vergonha, na perplexidade e na
assustadora esperança. A esperança era o meu pecado maior. Cada dia
renovava-se a mesquinha luta que eu encetara pela salvação daquele homem.
Eu queria o seu bem, e em resposta ele me odiava. Contundida, eu me tornara
o seu demônio e tormento, símbolo do inferno que devia ser para ele ensinar
aquela turma risonha de desinteressados. Tornara-se um prazer já terrível o de
não deixá-lo em paz. O jogo,» como sempre, me fascinava. Sem saber que eu obedecia a velhas tradições, mas com uma sabedoria com que os ruins já
nascem - aqueles ruins que roem as unhas de espanto -, sem saber que
obedecia a uma das coisas que mais acontecem no mundo, eu estava sendo a
prostituta e ele o santo. Não, talvez não seja isso. As palavras me antecedem e
ultrapassam, elas me tentam e me modificam, e se não tomo cuidado será
tarde demais: as coisas serão ditas sem eu as ter dito. Ou, pelo menos, não era
apenas isso. Meu enleio vem de que um tapete é feito de tantos fios que não
posso me resignar a seguir um fio só; meu enredamento vem de que uma
história é feita de muitas histórias. E nem todas posso contar - uma palavra
mais verdadeira poderia de eco em eco fazer desabar pelo despenhadeiro as
minhas altas geleiras. Assim, pois, não falarei mais no sorvedouro que havia
em mim enquanto eu devaneava antes de adormecer. Senão eu mesma
terminarei pensando que era apenas essa macia voragem o que me impelia
para ele, esquecendo minha desesperada abnegação. Eu me tornara a sua
sedutora, dever que ninguém me impusera. Era de se lamentar que tivesse
caído em minhas mãos erradas a tarefa de salvá-lo pela tentação, pois de todos
os adultos e crianças daquele tempo eu era provavelmente a menos indicada.
"Essa não é flor que se cheire", como dizia nossa empregada. Mas era como
se, sozinha com um alpinista paralisado pelo terror do precipício, eu, por mais
inábil que fosse, não pudesse senão tentar ajudá-lo a descer. O professor
tivera a falta de sorte de ter sido logo a mais imprudente quem ficara sozinha
com ele nos seus ermos. Por mais arriscado que fosse o meu lado, eu era
obrigada a arrastá-lo para o meu lado pois o dele era mortal. Era o que eu
fazia, como uma criança importuna puxa um grande pela aba do paletó. Ele
não olhava para trás, não perguntava o que eu queria, e livrava-se de mim com
um safanão. Eu continuava a puxá-lo pelo paletó, meu único instrumento era
a insistência. E disso tudo ele só percebia que eu lhe rasgava os bolsos. É
verdade que nem eu mesma sabia ao certo o que fazia, minha vida com o
professor era invisível. Mas eu sentia que meu papel era ruim e perigoso:
impelia-me a voracidade por uma vida real que tardava, e, pior que inábil, eu
também tinha gosto em lhe rasgar os bolsos. Só Deus perdoaria o que eu era
porque só Ele sabia do que me fizera e para o quê. Eu me deixava, pois, ser
matéria d'Ele. Ser matéria de Deus era a minha única bondade. E a fonte de
um nascente misticismo. Não misticismo por Ele, mas pela matéria d'Ele, mas
pela vida crua e cheia de prazeres: eu era uma adoradora. Aceitava a vastidão
do que eu não conhecia e a ela me confiava toda, com segredos de
confessionário. Seria para as escuridões da ignorância que eu seduzia o
professor? e com o ardor de uma freira na cela. Freira alegre e monstruosa, ai
de mim. E nem disso eu poderia me vangloriar: na classe todos nós éramos
igualmente monstruosos e suaves, ávida matéria de Deus.
Mas se me comoviam seus gordos ombros contraídos e seu paletozinho
apertado, minhas gargalhadas só conseguiam fazer com que ele, fingindo a que
custo me esquecer, mais contraído ficasse de tanto autocontrole. A antipatia
que esse homem sentia por mim era tão forte que eu me detestava. Até que meus risos foram definitivamente substituindo minha delicadeza impossível.
Aprender eu não aprendia naquelas aulas. O jogo de torná-lo infeliz já me
tomara demais. Suportando com desenvolta amargura as minhas pernas
compridas e os sapatos sempre cambaios, humilhada por não ser uma flor, e
sobretudo, torturada por uma infância enorme que eu temia nunca chegar a
um fim - mais infeliz eu o tornava e sacudia com altivez a minha única
riqueza: os cabelos escorridos que eu planejava ficarem um dia bonitos com
permanente e que por conta do futuro eu já exercitava sacudindo-os. Estudar
eu não estudava, confiava na minha vadiação sempre bem-sucedida e que
também ela o professor tomava como mais uma provocação da menina
odiosa. Nisso ele não tinha razão. A verdade é que não me sobrava tempo
para estudar. As alegrias me ocupavam, ficar atenta me tomava dias e dias;
havia os livros de história que eu lia roendo de paixão as unhas até o sabugo,
nos meus primeiros êxtases de tristeza, refinamento que eu já descobrira;
havia meninos que eu escolhera e que não me haviam escolhido, eu perdia
horas de sofrimento porque eles eram inatingíveis, e mais outras horas de
sofrimento aceitando-os com ternura, pois o homem era o meu rei da Criação;
havia a esperançosa ameaça do pecado, eu me ocupava com medo em esperar;
sem falar que estava permanentemente ocupada em querer e não querer ser o
que eu era, não me decidia por qual de mim, toda eu é que não podia; ter
nascido era cheio de erros a corrigir. Não, não era para irritar o professor que
eu não estudava; só tinha tempo de crescer. O que eu fazia para todos os
lados, com uma falta de graça que mais parecia o resultado de um erro de
cálculo: as pernas não combinavam com os olhos, e a boca era emocionada
enquanto as mãos se esgalhavam sujas - na minha pressa eu crescia sem saber
para onde. O fato de um retrato da época me revelar, ao contrário, uma
menina bem plantada, selvagem e suave, com olhos pensativos embaixo da
franja pesada, esse retrato real não me desmente, só faz é revelar uma
fantasmagórica estranha que eu não compreenderia se fosse a sua mãe. Só
muito depois, tendo finalmente me organizado em corpo e sentindo-me
fundamentalmente mais garantida, pude me aventurar e estudar um pouco;
antes, porém, eu não podia me arriscar a aprender, não queria me disturbar -
tomava intuitivo cuidado com o que eu era, já que eu não sabia o que era, e
com vaidade cultivava a integridade da ignorância. Foi pena o professor não
ter chegado a ver aquilo em que quatro anos depois inesperadamente eu me
tornaria: aos treze anos, de mãos limpas, banho tomado, toda composta e
bonitinha, ele me teria visto como um cromo de Natal à varanda de um
sobrado. Mas, em vez dele, passara embaixo um ex-amiguinho meu, gritara
alto o meu nome, sem perceber que eu já não era mais um moleque e sim uma
jovem digna cujo nome não pode mais ser berrado pelas calçadas de uma
cidade. "Que é?", indaguei do intruso com a maior frieza. Recebi então como
resposta gritada a notícia de que o professor morrera naquela madrugada. E
branca, de olhos muito abertos, eu olhara a rua vertiginosa a meus pés. Minha
compostura quebrada como a de uma boneca partida. Voltando a quatro anos atrás. Foi talvez por tudo o que contei, misturado
e em conjunto, que escrevi a composição que o professor mandara, ponto de
desenlace dessa história e começo de outras. Ou foi apenas por pressa de
acabar de qualquer modo o dever para poder brincar no parque.
- Vou contar uma história, disse ele, e vocês façam a composição. Mas
usando as palavras de vocês. Quem for acabando não precisa esperar pela
sineta, já pode ir para o recreio.
O que ele contou: um homem muito pobre sonhara que descobrira um
tesouro e ficara muito rico; acordando, arrumara sua trouxa, saíra em busca do
tesouro; andara o mundo inteiro e continuava sem achar o tesouro; cansado,
voltara para a sua pobre, pobre casinha; e como não tinha o que comer,
começara a plantar no seu pobre quintal; tanto plantara, tanto colhera, tanto
começara a vender que terminara ficando muito rico.
Ouvi com ar de desprezo, ostensivamente brincando com o lápis, como
se quisesse deixar claro que suas histórias não me ludibriavam e que eu bem
sabia quem ele era. Ele contara sem olhar uma só vez para mim. É que na falta
de jeito de amá-lo e no gosto de persegui-lo, eu também o acossava com o
olhar: a tudo o que ele dizia eu respondia com um simples olhar direto, do
qual ninguém em sã consciência poderia me acusar. Era um olhar que eu
tornava bem límpido e angélico, muito aberto, como o da candidez olhando o
crime. E conseguia sempre o mesmo resultado: com perturbação ele evitava
meus olhos, começando a gaguejar. O que me enchia de um poder que me
amaldiçoava. E de piedade. O que por sua vez me irritava. Irritava-me que ele
obrigasse uma porcaria de criança a compreender um homem.
Eram quase dez horas da manhã, em breve soaria a sineta do recreio.
Aquele meu colégio, alugado dentro de um dos parques da cidade, tinha o
maior campo de recreio que já vi. Era tão bonito para mim como seria para
um esquilo ou um cavalo. Tinha árvores espalhadas, longas descidas e subidas
e estendida relva. Não acabava nunca. Tudo ali era longe e grande, feito para
pernas compridas de menina, com lugar para montes de tijolo e madeira de
origem ignorada, para moitas de azedas begônias que nós comíamos, para sol
e sombra onde as abelhas faziam mel. Lá cabia um ar livre imenso. E tudo
fora vivido por nós: já tínhamos rolado de cada declive, intensamente
cochichado atrás de cada monte de tijolo, comido de várias flores e em todos
os troncos havíamos a canivete gravado datas, doces nomes feios e corações
transpassados por flechas; meninos e meninas ali faziam o seu mel.
Eu estava no fim da composição e o cheiro das sombras escondidas já me
chamava. Apressei-me. Como eu só sabia "usar minhas próprias palavras",
escrever era simples.
Apressava-me também o desejo de ser a primeira a atravessar a sala - o
professor terminara por me isolar em quarentena na última carteira - e
entregar-lhe insolente a composição, demonstrando-lhe assim minha rapidez,
qualidade que me parecia essencial para se viver e que, eu tinha certeza, o
professor só podia admirar. Entreguei-lhe o caderno e ele o recebeu sem ao menos me olhar.
Melindrada, sem um elogio pela minha velocidade, saí pulando para o grande
parque.
A história que eu transcrevera em minhas próprias palavras era igual a que
ele contara. Só que naquela época eu estava começando a "tirar a moral das
histórias", o que, se me santificava, mais tarde ameaçaria sufocar-me em
rigidez. Com alguma faceirice, pois, havia acrescentado as frases finais. Frases
que horas depois eu lia e relia para ver o que nelas haveria de tão poderoso a
ponto de enfim ter provocado o homem de um modo como eu própria não
conseguira até então. Provavelmente o que o professor quisera deixar
implícito na sua história triste é que o trabalho árduo era o único modo de se
chegar a ter fortuna. Mas levianamente eu concluíra pela moral oposta: alguma
coisa sobre o tesouro que se disfarça, que está onde menos se espera, que é só
descobrir, acho que falei em sujos quintais com tesouros. Já não me lembro,
não sei se foi exatamente isso. Não consigo imaginar com que palavras de
criança teria eu exposto um sentimento simples mas que se torna pensamento
complicado. Suponho que, arbitrariamente contrariando o sentido real da
história, eu de algum modo já me prometia por escrito que o ócio, mais que o
trabalho, me daria as grandes recompensas gratuitas, as únicas a que eu
aspirava. É possível também que já então meu tema de vida fosse a irrazoável
esperança, e que eu já tivesse iniciado a minha grande obstinação: eu daria
tudo o que era meu por nada, mas queria que tudo me fosse dado por nada.
Ao contrário do trabalhador da história, na composição eu sacudia dos
ombros todos os deveres e dela saía livre e pobre, e com um tesouro na mão.
Fui para o recreio, onde fiquei sozinha com o prêmio inútil de ter sido a
primeira, ciscando a terra, esperando impaciente pelos meninos que pouco a
pouco começaram a surgir da sala.
No meio das violentas brincadeiras resolvi buscar na minha carteira não
me lembro o quê, para mostrar ao caseiro do parque, meu amigo e protetor.
Toda molhada de suor, vermelha de uma felicidade irrepresável que se fosse
em casa me valeria uns tapas - voei em direção à sala de aula, atravessei-a
correndo, e tão estabanada que não vi o professor a folhear os cadernos
empilhados sobre a mesa. Já tendo na mão a coisa que eu fora buscar, e
iniciando outra corrida de volta - só então meu olhar tropeçou no homem.
Sozinho à cátedra: ele me olhava.
Era a primeira vez que estávamos frente a frente, por nossa conta. Ele me
olhava. Meus passos, de vagarosos, quase cessaram.
Pela primeira vez eu estava só com ele, sem o apoio cochichado da classe,
sem a admiração que minha afoiteza provocava. Tentei sorrir, sentindo que o
sangue me sumia do rosto. Uma gota de suor correu-me pela testa. Ele me
olhava. O olhar era uma pata macia e pesada sobre mim. Mas se a pata era
suave, tolhia-me toda como a de um gato que sem pressa prende o rabo do
rato. A gota de suor foi descendo pelo nariz e pela boca, dividindo ao meio o
meu sorriso. Apenas isso: sem uma expressão no olhar, ele me olhava. Comecei a costear a parede de olhos baixos, prendendo-me toda a meu
sorriso, único traço de um rosto que já perdera os contornos. Nunca havia
percebido como era comprida a sala de aula; só agora, ao lento passo do
medo, eu via o seu tamanho real. Nem a minha falta de tempo me deixara
perceber até então como eram austeras e altas as paredes; e duras, eu sentia a
parede dura na palma da mão. Num pesadelo, do qual sorrir fazia parte, eu
mal acreditava poder alcançar o âmbito da porta - de onde eu correria, ah
como correria! a me refugiar no meio de meus iguais, as crianças. Além de me
concentrar no sorriso, meu zelo minucioso era o de não fazer barulho com os
pés, e assim eu aderia à natureza íntima de um perigo do qual tudo o mais eu
desconhecia. Foi num arrepio que me adivinhei de repente como um espelho:
uma coisa úmida se encostando à parede, avançando devagar na ponta dos
pés, e com um sorriso cada vez mais intenso. Meu sorriso cristalizara a sala em
silêncio, e mesmo os ruídos que vinham do parque escorriam pelo lado de
fora do silêncio. Cheguei finalmente à porta, e o coração imprudente pôs-se a
bater alto demais sob o risco de acordar o gigantesco mundo que dormia.
Foi quando ouvi meu nome.
De súbito pregada ao chão, com a boca seca, ali fiquei de costas para ele
sem coragem de me voltar. A brisa que vinha pela porta acabou de secar o
suor do corpo. Virei-me devagar, contendo dentro dos punhos cerrados o
impulso de correr.
Ao som de meu nome a sala se desipnotizara.
E bem devagar vi o professor todo inteiro. Bem devagar vi que o
professor era muito grande e muito feio, e que ele era o homem de minha
vida. O novo e grande medo. Pequena, sonâmbula, sozinha, diante daquilo a
que a minha fatal liberdade finalmente me levara. Meu sorriso, tudo o que
sobrara de um rosto, também se apagara. Eu era dois pés endurecidos no chão
e um coração que de tão vazio parecia morrer de sede. Ali fiquei, fora do
alcance do homem. Meu coração morria de sede, sim. Meu coração morria de
sede.
Calmo como antes de friamente matar, ele disse:
- Chegue mais perto...
Como é que um homem se vingava?
Eu ia receber de volta em pleno rosto a bola de mundo que eu mesma lhe
jogara e que nem por isso me era conhecida. Ia receber de volta uma realidade
que não teria existido se eu não a tivesse temerariamente adivinhado e assim
lhe dado vida. Até que ponto aquele homem, monte de compacta tristeza, era
também monte de fúria? Mas meu passado era agora tarde demais. Um
arrependimento estóico manteve erecta a minha cabeça. Pela primeira vez a
ignorância, que até então fora o meu grande guia, desamparava-me. Meu pai
estava no trabalho, minha mãe morrera há meses. Eu era o único eu.
- ... Pegue o seu caderno... acrescentou ele.
A surpresa me fez subitamente olhá-lo. Era só isso, então!? O alívio
inesperado foi quase mais chocante que o meu susto anterior. Avancei um passo, estendi a mão gaguejante.
Mas o professor ficou imóvel e não entregou o caderno.
Para a minha súbita tortura, sem me desfitar, foi tirando lentamente os
óculos. E olhou-me com olhos nus que tinham muitos cílios. Eu nunca tinha
visto seus olhos que, com as inúmeras pestanas, pareciam duas baratas doces.
Ele me olhava. E eu não soube como existir na frente de um homem.
Disfarcei olhando o teto, o chão, as paredes, e mantinha a mão ainda
estendida porque não sabia como recolhê-la. Ele me olhava manso, curioso,
com os olhos despenteados como se tivesse acordado. Iria ele me amassar
com mão inesperada? Ou exigir que eu me ajoelhasse e pedisse perdão. Meu
fio de esperança era que ele não soubesse o que eu tinha feito, assim como eu
mesma já não sabia, na verdade eu nunca soubera.
- Como é que lhe veio a idéia do tesouro que se disfarça?
- Que tesouro? - murmurei atoleimada. Ficamos nos fitando em silêncio.
- Ah, o tesouro!, precipitei-me de repente mesmo sem entender, ansiosa
por admitir qualquer falta, implorando-lhe que meu castigo consistisse apenas
em sofrer para sempre de culpa, que a tortura eterna fosse a minha punição,
mas nunca essa vida desconhecida.
- O tesouro que está escondido onde menos se espera. Que é só
descobrir. Quem lhe disse isso?
O homem enlouqueceu, pensei, pois que tinha a ver o tesouro com aquilo
tudo? Atônita, sem compreender, e encaminhando de inesperado a
inesperado, pressenti no entanto um terreno menos perigoso. Nas minhas
corridas eu aprendera a me levantar das quedas mesmo quando mancava, e me
refiz logo: "foi a composição do tesouro! esse então deve ter sido o meu erro!"
Fraca, e embora pisando cuidadosa na nova e escorregadia segurança, eu no
entanto já me levantara o bastante da minha queda para poder sacudir, numa
imitação da antiga arrogância, a futura cabeleira ondulada:
- Ninguém, ora... respondi mancando. Eu mesma inventei, disse trêmula,
mas já recomeçando a cintilar.
Se eu ficara aliviada por ter alguma coisa enfim concreta com que lidar,
começava no entanto a me dar conta de algo muito pior. A súbita falta de
raiva nele. Olhei-o intrigada, de viés. E aos poucos desconfiadíssima. Sua falta
de raiva começara a me amedrontar, tinha ameaças novas que eu não
compreendia. Aquele olhar que não me desfitava - e sem cólera... Perplexa, e a
troco de nada, eu perdia o meu inimigo e sustento. Olhei-o surpreendida. Que
é que ele queria de mim? Ele me constrangia. E seu olhar sem raiva passara a
me importunar mais do que a brutalidade que eu temera. Um medo pequeno,
todo frio e suado, foi me tomando. Devagar, para ele não perceber, recuei as
costas até encontrar atrás delas a parede, e depois a cabeça recuou até não ter
mais para onde ir. Daquela parede onde eu me engastara toda, furtivamente
olhei-o.
E meu estômago se encheu de uma água de náusea. Não sei contar.
Eu era uma menina muito curiosa e, para a minha palidez, eu vi. Eriçada, prestes a vomitar, embora até hoje não saiba ao certo o que vi. Mas sei que vi.
Vi tão fundo quanto numa boca, de chofre eu via o abismo do mundo. Aquilo
que eu via era anônimo como uma barriga aberta para uma operação de
intestinos. Vi uma coisa se fazendo na sua cara - o mal-estar já petrificado
subia com esforço até a sua pele, vi a careta vagarosamente hesitando e
quebrando uma crosta - mas essa coisa que em muda catástrofe se
desenraizava, essa coisa ainda se parecia tão pouco com um sorriso como se
um fígado ou um pé tentassem sorrir, não sei. O que vi, vi tão de perto que
não sei o que vi. Como se meu olho curioso se tivesse colado ao buraco da
fechadura e em choque deparasse do outro lado com outro olho colado me
olhando. Eu vi dentro de um olho. O que era tão incompreensível como um
olho. Um olho aberto com sua gelatina móvel. Com suas lágrimas orgânicas.
Por si mesmo o olho chora, por si mesmo o olho ri. Até que o esforço do
homem foi se completando todo atento, e em vitória infantil ele mostrou,
pérola arrancada da barriga aberta - que estava sorrindo. Eu vi um homem
com entranhas sorrindo. Via sua apreensão extrema em não errar, sua
aplicação de aluno lento, a falta de jeito como se de súbito ele se tivesse
tornado canhoto. Sem entender, eu sabia que pediam de mim que eu
recebesse a entrega dele e de sua barriga aberta, e que eu recebesse o seu peso
de homem. Minhas costas forçaram desesperadamente a parede, recuei - era
cedo demais para eu ver tanto. Era cedo demais para eu ver como nasce a
vida. Vida nascendo era tão mais sangrento do que morrer. Morrer é
ininterrupto. Mas ver matéria inerte lentamente tentar se erguer como um
grande morto-vivo... Ver a esperança me aterrorizava, ver a vida me
embrulhava o estômago. Estavam pedindo demais de minha coragem só
porque eu era corajosa, pediam minha força só porque eu era forte. "Mas e
eu?", gritei dez anos depois por motivos de amor perdido, "quem virá jamais à
minha fraqueza!" Eu o olhava surpreendida, e para sempre não soube o que
vi, o que eu vira poderia cegar os curiosos.
Então ele disse, usando pela primeira vez o sorriso que aprendera:
- Sua composição do tesouro está tão bonita. O tesouro que é só
descobrir. Você... ele nada acrescentou por um momento. Perscrutou-me
suave, indiscreto, tão meu íntimo como se ele fosse o meu coração. Você é
uma menina muito engraçada, disse afinal.
Foi a primeira vergonha real de minha vida. Abaixei os olhos, sem poder
sustentar o olhar indefeso daquele homem a quem eu enganara.
Sim, minha impressão era a de que, apesar de sua raiva, ele de algum
modo havia confiado em mim, e que então eu o enganara com a lorota do
tesouro. Naquele tempo eu pensava que tudo o que se inventa é mentira, e
somente a consciência atormentada do pecado me redimia do vício. Abaixei
os olhos com vergonha. Preferia sua cólera antiga, que me ajudara na minha
luta contra mim mesma, pois coroava de insucesso os meus métodos e talvez
terminasse um dia me corrigindo: eu não queria era esse agradecimento que
não só era a minha pior punição, por eu não merecê-lo, como vinha encorajar minha vida errada que eu tanto temia, viver errado me atraía. Eu bem quis lhe
avisar que não se acha tesouro à toa. Mas, olhando-o, desanimei; faltava-me a
coragem de desiludi-lo. Eu já me habituara a proteger a alegria dos outros, a
de meu pai, por exemplo, que era mais desprevenido que eu. Mas como me
foi difícil engolir a seco essa alegria que tão irresponsavelmente eu causara! Ele
parecia um mendigo que agradecesse o prato de comida sem perceber que lhe
haviam dado carne estragada. O sangue me subira ao rosto, agora tão quente
que pensei estar com os olhos injetados, enquanto ele, provavelmente em
novo engano, devia pensar que eu corara de prazer ao elogio. Naquela mesma
noite aquilo tudo se transformaria em incoercível crise de vômitos que
manteria acesas todas as luzes de minha casa.
- Você - repetiu então ele lentamente como se aos poucos estivesse
admitindo com encantamento o que lhe viera por acaso à boca - você é uma
menina muito engraçada, sabe? Você é uma doidinha... disse usando outra vez
o sorriso como um menino que dorme com os sapatos novos. Ele nem ao
menos sabia que ficava feio quando sorria. Confiante, deixava-me ver a sua
feiúra, que era a sua parte mais inocente.
Tive que engolir como pude a ofensa que ele me fazia ao acreditar em
mim, tive que engolir a piedade por ele, a vergonha por mim, "tolo!", pudesse
eu lhe gritar, "essa história de tesouro disfarçado foi inventada, é coisa só para
menina!" Eu tinha muita consciência de ser uma criança, o que explicava
todos os meus graves defeitos, e pusera tanta fé em um dia crescer - e aquele
homem grande se deixara enganar por uma menina safadinha. Ele matava em
mim pela primeira vez a minha fé nos adultos: também ele, um homem,
acredita como eu nas grandes mentiras...
... E de repente, com o coração batendo de desilusão, não suportei um
instante mais - sem ter pegado o caderno corri para o parque, a mão na boca
como se me tivessem quebrado os dentes. Com a mão na boca, horrorizada,
eu corria, corria para nunca parar, a prece profunda não é aquela que pede, a
prece mais profunda é a que não pede mais - eu corria, eu corria muito
espantada.
Na minha impureza eu havia depositado a esperança de redenção nos
adultos. A necessidade de acreditar na minha bondade futura fazia com que eu
venerasse os grandes, que eu fizera à minha imagem, mas a uma imagem de
mim enfim purificada pela penitência do crescimento, enfim liberta da alma
suja de menina. E tudo isso o professor agora destruía, e destruía meu amor
por ele e por mim. Minha salvação seria impossível: aquele homem também
era eu. Meu amargo ídolo que caíra ingenuamente nas artimanhas de uma
criança confusa e sem candura, e que se deixara docilmente guiar pela minha
diabólica inocência... Com a mão apertando a boca, eu corria pela poeira do
parque.
Quando enfim me dei conta de estar bem longe da órbita do professor,
sofreei exausta a corrida, e quase a cair encostei-me em todo o meu peso no
tronco de uma árvore, respirando alto, respirando. Ali fiquei ofegante e de olhos fechados, sentindo na boca o amargo empoeirado do tronco, os dedos
mecanicamente passando e repassando pelo duro entalhe de um coração com
flecha. E de repente, apertando os olhos fechados, gemi entendendo um
pouco mais: estaria ele querendo dizer que... que eu era um tesouro
disfarçado? O tesouro onde menos se espera... Oh não, não, coitadinho dele,
coitado daquele rei da Criação, de tal modo precisara... de quê? de que
precisara ele?... que até eu me transformara em tesouro.
Eu ainda tinha muito mais corrida dentro de mim, forcei a garganta seca a
recuperar o fôlego, e empurrando com raiva o tronco da árvore recomecei a
correr em direção ao fim do mundo.
Mas ainda não divisara o fim sombreado do parque, e meus passos foram
se tornando mais vagarosos, excessivamente cansados. Eu não podia mais.
Talvez por cansaço, mas eu sucumbia. Eram passos cada vez mais lentos e a
folhagem das árvores se balançava lenta. Eram passos um pouco
deslumbrados. Em hesitação fui parando, as árvores rodavam altas. É que
uma doçura toda estranha fatigava meu coração. Intimidada, eu hesitava.
Estava sozinha na relva, mal em pé, sem nenhum apoio, a mão no peito
cansado como a de uma virgem anunciada. E de cansaço abaixando àquela
suavidade primeira uma cabeça finalmente humilde que de muito longe talvez
lembrasse a de uma mulher. A copa das árvores se balançava para a frente,
para trás. "Você é uma menina muito engraçada, você é uma doidinha",
dissera ele. Era como um amor.
Não, eu não era engraçada. Sem nem ao menos saber, eu era muito séria.
Não, eu não era doidinha, a realidade era o meu destino, e era o que em mim
doía nos outros. E, por Deus, eu não era um tesouro. Mas se eu antes já havia
descoberto em mim todo o ávido veneno com que se nasce e com que se rói a
vida - só naquele instante de mel e flores descobria de que modo eu curava:
quem me amasse, assim eu teria curado quem sofresse de mim. Eu era a
escura ignorância com suas fomes e risos, com as pequenas mortes
alimentando a minha vida inevitável - que podia eu fazer? eu já sabia que eu
era inevitável. Mas se eu não prestava, eu fora tudo o que aquele homem
tivera naquele momento. Pelo menos uma vez ele teria que amar, e sem ser a
ninguém - através de alguém. E só eu estivera ali. Se bem que esta fosse a sua
única vantagem: tendo apenas a mim, e obrigado a iniciar-se amando o ruim,
ele começara pelo que poucos chegavam a alcançar. Seria fácil demais querer o
limpo; inalcançável pelo amor era o feio, amar o impuro era a nossa mais
profunda nostalgia. Através de mim, a difícil de se amar, ele recebera, com
grande caridade por si mesmo, aquilo de que somos feitos. Entendia eu tudo
isso? Não. E não sei o que na hora entendi. Mas assim como por um instante
no professor eu vira com aterrorizado fascínio o mundo - e mesmo agora
ainda não sei o que vi, só que para sempre e em um segundo eu vi - assim eu
nos entendi, e nunca saberei o que entendi. Nunca saberei o que eu entendo.
O que quer que eu tenha entendido no parque foi, com um choque de doçura,
entendido pela minha ignorância. Ignorância que ali em pé - numa solidão sem dor, não menor que a das
árvores - eu recuperava inteira, a ignorância e a sua verdade incompreensível.
Ali estava eu, a menina esperta demais, e eis que tudo o que em mim não
prestava servia a Deus e aos homens. Tudo o que em mim não prestava era o
meu tesouro.
Como uma virgem anunciada, sim. Por ele me ter permitido que eu o
fizesse enfim sorrir, por isso ele me anunciara. Ele acabara de me transformar
em mais do que o rei da Criação: fizera de mim a mulher do rei da Criação.
Pois logo a mim, tão cheia de garras e sonhos, coubera arrancar de seu
coração a flecha farpada. De chofre explicava-se para que eu nascera com mão
dura, e para que eu nascera sem nojo da dor. Para que te servem essas unhas
longas? Para te arranhar de morte e para arrancar os teus espinhos mortais,
responde o lobo do homem. Para que te serve essa cruel boca de fome? Para
te morder e para soprar a fim de que eu não te doa demais, meu amor, já que
tenho que te doer, eu sou o lobo inevitável pois a vida me foi dada. Para que
te servem essas mãos que ardem e prendem? Para ficarmos de mãos dadas,
pois preciso tanto, tanto, tanto - uivaram os lobos, e olharam intimidados as
próprias garras antes de se aconchegarem um no outro para amar e dormir.
... E foi assim que no grande parque do colégio lentamente comecei a
aprender a ser amada, suportando o sacrifício de não merecer, apenas para
suavizar a dor de quem não ama. Não, esse foi somente um dos motivos. É
que os outros fazem outras histórias. Em algumas foi de meu coração que
outras garras cheias de duro amor arrancaram a flecha farpada, e sem nojo de
meu grito.
A CRIADA
Seu nome era Eremita. Tinha dezenove anos. Rosto confiante, algumas
espinhas. Onde estava a sua beleza? Havia beleza nesse corpo que não era feio
nem bonito, nesse rosto onde uma doçura ansiosa de doçuras maiores era o
sinal da vida.
Beleza, não sei. Possivelmente não havia, se bem que os traços indecisos
atraíssem como água atrai. Havia, sim, substância viva, unhas, carnes, dentes,
mistura de resistências e fraquezas, constituindo vaga presença que se
concretizava porém imediatamente numa cabeça interrogativa e já prestimosa,
mal se pronunciava um nome: Eremita. Os olhos castanhos eram
intraduzíveis, sem correspondência com o conjunto do rosto. Tão
independentes como se fossem plantados na carne de um braço, e de lá nos
olhassem - abertos, úmidos. Ela toda era de uma doçura próxima a lágrimas.
Às vezes respondia com má-criação de criada mesmo. Desde pequena
fora assim, explicou. Sem que isso viesse de seu caráter. Pois não havia no seu
espírito nenhum endurecimento, nenhuma lei perceptível. "Eu tive medo",
dizia com naturalidade. "Me deu uma fome", dizia, e era sempre incontestável o que dizia, não se sabe por quê. "Ele me respeita muito", dizia do noivo e,
apesar da expressão emprestada e convencional, a pessoa que ouvia entrava
num mundo delicado de bichos e aves, onde todos se respeitam. "Eu tenho
vergonha", dizia, e sorria enredada nas próprias sombras. Se a fome era de pão
- que ela comia depressa como se pudessem tirá-lo - o medo era de trovoadas,
a vergonha era de falar. Ela era gentil, honesta. "Deus me livre, não é?", dizia
ausente.
Porque tinha suas ausências. O rosto se perdia numa tristeza impessoal e
sem rugas. Uma tristeza mais antiga que o seu espírito. Os olhos paravam
vazios; diria mesmo um pouco ásperos. A pessoa que estivesse a seu lado
sofria e nada podia fazer. Só esperar.
Pois ela estava entregue a alguma coisa, a misteriosa infante. Ninguém
ousaria tocá-la nesse momento. Esperava-se um pouco grave, de coração
apertado, velando-a. Nada se poderia fazer por ela senão desejar que o perigo
passasse. Até que num movimento sem pressa, quase um suspiro, ela acordava
como um cabrito recém-nascido se ergue sobre as pernas. Voltara de seu
repouso na tristeza.
Voltava, não se pode dizer mais rica, porém mais garantida depois de ter
bebido em não se sabe que fonte. O que se sabe é que a fonte devia ser antiga
e pura. Sim, havia profundeza nela. Mas ninguém encontraria nada se descesse
nas suas profundezas - senão a própria profundeza, como na escuridão se
acha a escuridão. É possível que, se alguém prosseguisse mais, encontrasse,
depois de andar léguas nas trevas, um indício de caminho, guiado talvez por
um bater de asas, por algum rastro de bicho. E - de repente - a floresta.
Ah, então devia ser esse o seu mistério: ela descobrira um atalho para a
floresta. Decerto nas suas ausências era para lá que ia. Regressando com os
olhos cheios de brandura e ignorância, olhos completos. Ignorância tão vasta
que nela caberia e se perderia toda a sabedoria do mundo.
Assim era Eremita. Que se subisse à tona com tudo o que encontrara na
floresta seria queimada em fogueira. Mas o que vira - em que raízes mordera,
com que espinhos sangrara, em que águas banhara os pés, que escuridão de
ouro fora a luz que a envolvera - tudo isso ela não contava porque ignorava:
fora percebido num só olhar, rápido demais para não ser senão um mistério.
Assim, quando emergia, era uma criada. A quem chamavam
constantemente da escuridão de seu atalho para funções menores, para lavar
roupa, enxugar o chão, servir a uns e outros.
Mas serviria mesmo? Pois se alguém prestasse atenção veria que ela lavava
roupa - ao sol; que enxugava o chão - molhado pela chuva; que estendia
lençóis - ao vento. Ela se arranjava para servir muito mais remotamente, e a
outros deuses. Sempre com a inteireza de espírito que trouxera da floresta.
Sem um pensamento: apenas corpo se movimentando calmo, rosto pleno de
uma suave esperança que ninguém dá e ninguém tira.
A única marca do perigo por que passara era o seu modo fugitivo de
comer pão. No resto era serena. Mesmo quando tirava o dinheiro que a patroa esquecera sobre a mesa, mesmo quando levava para o noivo em embrulho
discreto alguns gêneros da despensa. A roubar de leve ela também aprendera
nas suas florestas.
A MENSAGEM
A princípio, quando a moça disse que sentia angústia, o rapaz se
surpreendeu tanto que corou e mudou rapidamente de assunto para disfarçar
o aceleramento do coração.
Mas há muito tempo - desde que era jovem - ele passara afoitamente do
simplismo infantil de falar dos acontecimentos em termos de "coincidência".
Ou melhor - evoluindo muito e não acreditando nunca mais - ele considerava a
expressão "coincidência" um novo truque de palavras e um renovado ludíbrio.
Assim, engolida emocionalmente a alegria involuntária que a
verdadeiramente espantosa coincidência dela também sentir angústia lhe
provocara - ele se viu falando com ela na sua própria angústia, e logo com
uma moça! ele que de coração de mulher só recebera o beijo de mãe.
Viu-se conversando com ela, escondendo com secura o maravilhamento
de enfim poder falar sobre coisas que realmente importavam; e logo com uma
moça! Conversavam também sobre livros, mal podiam esconder a urgência
que tinham de pôr em dia tudo em que nunca antes haviam falado. Mesmo
assim, jamais certas palavras eram pronunciadas entre ambos. Desta vez não
porque a expressão fosse mais uma armadilha de que os outros dispõem para
enganar os moços. Mas por vergonha. Porque nem tudo ele teria coragem de
dizer, mesmo que ela, por sentir angústia, fosse pessoa de confiança. Nem em
missão ele falaria jamais, embora essa expressão tão perfeita, que ele por assim
dizer criara, lhe ardesse na boca, ansiosa por ser dita.
Naturalmente, o fato dela também sofrer simplificara o modo de se tratar
uma moça, conferindo-lhe um caráter masculino. Ele passou a tratá-la como
camarada.
Ela mesma também passou a ostentar com modéstia aureolada a própria
angústia, como um novo sexo. Híbridos - ainda sem terem escolhido um
modo pessoal de andar, e sem terem ainda uma caligrafia definitiva, cada dia a
copiarem os pontos de aula com letra diferente - híbridos eles se procuravam,
mal disfarçando a gravidade. Uma vez ou outra, ele ainda sentia aquela
incrédula aceitação da coincidência: ele, tão original, ter encontrado alguém
que falava a sua língua! Aos poucos compactuaram. Bastava ela dizer, como
numa senha, "passei ontem uma tarde ruim", e ele sabia com austeridade que
ela sofria como ele sofria. Havia tristeza, orgulho e audácia entre ambos.
Até que também a palavra angústia foi secando, mostrando como a
linguagem falada mentia. (Eles queriam um dia escrever.) A palavra angústia
passou a tomar aquele tom que os outros usavam, e passou a ser um motivo de
leve hostilidade entre ambos. Quando ele sofria, achava uma gafe ela falar em angústia. "Eu já superei esta palavra", ele sempre superava tudo antes dela, só
depois é que a moça o alcançava.
E aos poucos ela se cansou de ser aos olhos dele a única mulher
angustiada. Apesar disso lhe conferir um caráter intelectual, ela também era
alerta a essa espécie de equívocos. Pois ambos queriam, acima de tudo, ser
autênticos.
Ela, por exemplo, não queria erros nem mesmo a seu favor, queria a
verdade, por pior que fosse. Aliás, às vezes tanto melhor se fosse "por pior que
fosse". Sobretudo a moça já começara a não sentir prazer em ser condecorada
com o título de homem ao menor sinal que apresentava de... de ser uma
pessoa. Ao mesmo tempo que isso a lisonjeava, ofendia um pouco: era como
se ele se surpreendesse de ela ser capaz, exatamente por não julgá-la capaz.
Embora, se ambos não tomassem cuidado, o fato dela ser mulher poderia de
súbito vir à tona. Eles tomavam cuidado.
Mas, naturalmente, havia a confusão, a falta de possibilidade de
explicação, e isso significava tempo que ia passando. Meses mesmo.
E apesar da hostilidade entre ambos se tornar gradativamente mais
intensa, como mãos que estão perto e não se dão, eles não podiam se impedir
de se procurar. E isso porque - se na boca dos outros chamá-los de "jovens"
lhes era uma injúria - entre ambos "ser jovem" era o mútuo segredo, e a
mesma desgraça irremediável. Eles não podiam deixar de se procurar porque,
embora hostis - com o repúdio que seres de sexo diferente têm quando não se
desejam -, embora hostis, eles acreditavam na sinceridade que cada um tinha,
versus a grande mentira alheia. O coração ofendido de ambos não perdoava a
mentira alheia. Eles eram sinceros. E, por não serem mesquinhos, passavam
por cima do fato de terem muita facilidade para mentir - como se o que
realmente importasse fosse apenas a sinceridade da imaginação. Assim
continuaram a se procurar, vagamente orgulhosos de serem diferentes dos
outros, tão diferentes a ponto de nem se amarem. Aqueles outros que nada
faziam senão viver. Vagamente conscientes de que havia algo de falso em suas
relações. Como se fossem homossexuais de sexo oposto, e impossibilitados de
unir, em uma só, a desgraça de cada um. Eles apenas concordavam no único
ponto que os unia: o erro que havia no mundo e a tácita certeza de que se eles
não o salvassem seriam traidores. Quanto a amor, eles não se amavam, era
claro. Ela até já lhe falara de uma paixão que tivera recentemente por um
professor. Ele chegara a lhe dizer - já que ela era como um homem para ele -,
chegara mesmo a lhe dizer, com uma frieza que inesperadamente se quebrara
em horrível bater de coração, que um rapaz é obrigado a resolver "certos
problemas", se quiser ter a cabeça livre para pensar. Ele tinha dezesseis anos, e
ela, dezessete. Que ele, com severidade, resolvia de vez em quando certos
problemas, nem seu pai sabia.
O fato é que, tendo uma vez se encontrado na parte secreta deles
mesmos, resultará na tentação e na esperança de um dia chegar ao máximo.
Que máximo? Que é, afinal, que eles queriam? Eles não sabiam, e usavam-se como
quem se agarra em rochas menores até poder sozinho galgar a maior, a difícil
e a impossível; usavam-se para se exercitarem na iniciação; usavam-se
impacientes, ensaiando um com o outro o modo de bater asas para que enfim
- cada um sozinho e liberto - pudesse dar o grande vôo solitário que também
significaria o adeus um do outro. Era isso? Eles se precisavam
temporariamente, irritados pelo outro ser desastrado, um culpando o outro de
não ter experiência. Falhavam em cada encontro, como se numa cama se
desiludissem. O que é, afinal, que queriam? Queriam aprender. Aprender o
quê? eram uns desastrados. Oh, eles não poderiam dizer que eram infelizes
sem ter vergonha, porque sabiam que havia os que passam fome; eles comiam
com fome e vergonha. Infelizes? Como? se na verdade tocavam, sem nenhum
motivo, num tal ponto extremo de felicidade como se o mundo fosse
sacudido e dessa árvore imensa caíssem mil frutos. Infelizes? se eram corpos
com sangue como uma flor ao sol. Como? se estavam para sempre sobre as
próprias pernas fracas, conturbados, livres, milagrosamente de pé, as pernas
dela depiladas, as dele indecisas mas a terminarem em sapatos número 44.
Como poderiam jamais ser infelizes seres assim?
Eles eram muito infelizes. Procuravam-se cansados, expectantes,
forçando uma continuação da compreensão inicial e casual que nunca se
repetira - e sem nem ao menos se amarem. O ideal os sufocava, o tempo
passava inútil, a urgência os chamava - eles não sabiam para o que
caminhavam, e o caminho os chamava. Um pedia muito do outro, mas é que
ambos tinham a mesma carência, e jamais procurariam um par mais velho que
lhes ensinasse, por que não eram doidos de se entregarem sem mais nem
menos ao mundo feito.
Um modo possível de ainda se salvarem seria o que eles nunca
chamariam de poesia. Na verdade, o que seria poesia, essa palavra
constrangedora? Seria encontrarem-se quando, por coincidência, caísse uma
chuva repentina sobre a cidade? Ou talvez, enquanto tomavam um refresco,
olharem ao mesmo tempo a cara de uma mulher passando na rua? ou mesmo
encontrarem-se por coincidência na velha noite de lua e vento? Mas ambos
haviam nascido com a palavra poesia já publicada com o maior despudor nos
suplementos de domingo dos jornais. Poesia era a palavra dos mais velhos. E
a desconfiança de ambos era enorme, como de bichos. Em quem o instinto
avisa: que um dia serão caçados. Eles já tinham sido por demais enganados
para poderem agora acreditar. E, para caçá-los, teria sido preciso uma enorme
cautela, muito faro e muita lábia, e um carinho ainda mais cauteloso - um
carinho que não os ofendesse - para, pegando-os desprevenidos, poder
capturá-los na rede. E, com mais cautela ainda para não despertá-los, levá-los
astuciosamente para o mundo dos viciados, para o mundo já criado; pois esse
era o papel dos adultos e dos espiões. De tão longamente ludibriados,
vaidosos da própria amargura, tinham repugnância por palavras, sobretudo
quando uma palavra - como poesia - era tão esperta que quase exprimia, e aí então é que mostrava mesmo como exprimia pouco. Ambos tinham, na
verdade, repugnância pela maioria das palavras, o que estava longe de facilitarlhes uma comunicação, já que eles ainda não haviam inventado palavras
melhores: eles se desentendiam constantemente, obstinados rivais. Poesia?
Oh, como eles a detestavam. Como se fosse sexo. Eles também achavam que
os outros queriam caçá-los não para o sexo, mas para a normalidade. Eles eram
medrosos, científicos, exaustos de experiência. Na palavra experiência, sim,
eles falavam sem pudor e sem explicá-la: a expressão ia mesmo variando
sempre de significado. Experiência às vezes também se confundia com
mensagem. Eles usavam ambas as palavras sem aprofundar-lhes muito o
sentido.
Aliás, não aprofundavam nada, como se não houvesse tempo, como se
existissem coisas demais sobre as quais trocar idéias. Não percebendo que não
trocavam nenhuma idéia.
Bem, mas não era apenas isso, e nem com essa simplicidade. Não era
apenas isso: nesse ínterim o tempo ia passando, confuso, vasto, entrecortado,
e o coração do tempo era o sobressalto e havia aquele ódio contra o mundo
que ninguém lhes diria que era amor desesperado e era piedade, e havia neles a
cética sabedoria de velhos chineses, sabedoria que de repente podia se quebrar
denunciando duas caras que se consternavam porque eles não sabiam como se
sentar com naturalidade numa sorveteria: tudo então se quebrava,
denunciando de repente dois impostores. O tempo ia passando, nenhuma
idéia se trocava, e nunca, nunca eles se compreendiam com perfeição como na
primeira vez em que ela dissera que sentia angústia e, por milagre, também ele
dissera que sentia, e formara-se o pacto horrível. E nunca, nunca acontecia
alguma coisa que enfim arrematasse a cegueira com que estendiam as mãos e
que os tornasse prontos para o destino que impaciente os esperava, e os
fizesse enfim dizer para sempre adeus.
Talvez estivessem tão prontos para se soltarem um do outro como uma
gota de água quase a cair, e apenas esperassem algo que simbolizasse a
plenitude da angústia para poderem se separar. Talvez, maduros como uma
gota de água, tivessem provocado o acontecimento de que falarei.
O vago acontecimento em torno da casa velha só existiu porque eles
estavam prontos para isso. Tratava-se apenas de uma casa velha e vazia. Mas
eles tinham uma vida pobre e ansiosa como se nunca fossem envelhecer,
como se nada jamais lhes fosse suceder - e então a casa tornou-se um
acontecimento. Haviam voltado da última aula do período escolar. Tinham
tomado o ônibus, saltado, e iam andando. Como sempre, andavam entre
depressa e soltos, e de repente devagar, sem jamais acertar o passo, inquietos
quanto à presença do outro. Era um dia ruim para ambos, véspera de férias. A
última aula os deixava sem futuro e sem amarras, cada um desprezando o que
na casa mútua de ambos as famílias lhes asseguravam como futuro e amor e
incompreensão. Sem um dia seguinte e sem amarras, eles estavam pior que
nunca, mudos, de olhos abertos. Nessa tarde a moça estava de dentes cerrados, olhando tudo com rancor
ou ardor, como se procurasse no vento, na poeira e na própria extrema
pobreza de alma mais uma provocação para a cólera.
E o rapaz, naquela rua da qual eles nem sabiam o nome, o rapaz pouco
tinha do homem da Criação. O dia estava pálido, e o menino mais pálido
ainda, involuntariamente moço, ao vento, obrigado a viver. Estava porém
suave e indeciso, como se qualquer dor só o tornasse ainda mais moço, ao
contrário dela, que estava agressiva. Informes como eram, tudo lhes era
possível, inclusive às vezes permutavam as qualidades: ela se tornava como
um homem, e ele com uma doçura quase ignóbil de mulher. Várias vezes ele
quase se despedira, mas, vago e vazio como estava, não saberia o que fazer
quando voltasse para casa, como se o fim das aulas tivesse cortado o último
elo. Continuara, pois, mudo atrás dela, seguindo-a com a docilidade do
desamparo. Apenas um sétimo sentido de mínima escuta ao mundo o
mantinha, ligando-a em obscura promessa ao dia seguinte. Não, os dois não
eram propriamente neuróticos e - apesar do que eles pensavam um do outro
vingativamente nos momentos de mal contida hostilidade
- parece que a psicanálise não os resolveria totalmente. Ou talvez
resolvesse.
Era uma das ruas que desembocam diante do Cemitério São João Batista,
com poeira seca, pedras soltas e pretos parados à porta dos botequins.
Os dois andavam na calçada esburacada que mal os continha de tão
estreita. Ela fez um movimento - ele pensou que ela ia atravessar a rua e deu
um passo para segui-la - ela se voltou sem saber de que lado ele estava - ele
recuou procurando-a. Naquele mínimo instante em que se buscaram
inquietos, viraram-se ao mesmo tempo de costas para os ônibus - e ficaram de
pé diante da casa, tendo ainda a procura no rosto.
Talvez tudo tivesse vindo de eles estarem com a procura no rosto. Ou
talvez do fato da casa estar diretamente encostada à calçada e ficar tão "perto".
Eles mal tinham espaço para olhá-la, imprensados como estavam na calçada
estreita, entre o movimento ameaçador dos ônibus e a imobilidade
absolutamente serena da casa. Não, não era por bombardeio: mas era uma
casa quebrada, como diria uma criança. Era grande, larga e alta como as casas
ensobradadas do Rio antigo. Uma grande casa enraizada.
Com uma indagação muito maior do que a pergunta que tinham no rosto,
eles se haviam voltado incautelosamente ao mesmo tempo, e a casa estava tão
perto como se, saindo do nada, lhes fosse jogada aos olhos uma súbita parede.
Atrás deles os ônibus, à frente a casa - não havia como não estar ali. Se
recuassem seriam atingidos pelos ônibus, se avançassem esbarrariam na
monstruosa casa. Tinham sido capturados.
A casa era alta, e perto, eles não podiam olhá-la sem ter que levantar
infantilmente a cabeça, o que os tornou de súbito muito pequenos e
transformou a casa em mansão. Era como se jamais alguma coisa tivesse
estado tão perto deles. A casa devia ter tido uma cor. E qualquer que fosse a cor primitiva das janelas, estas eram agora apenas velhas e sólidas.
Apequenados, eles abriram os olhos espantados: a casa era angustiada.
A casa era angústia e calma. Como palavra nenhuma o fora. Era uma
construção que pesava no peito dos dois meninos. Um sobrado como quem
leva a mão à garganta. Quem? quem a construíra, levantando aquela feiúra
pedra por pedra, aquela catedral do medo solidificado?! Ou fora o tempo que
se colara em paredes simples e lhes dera aquele ar de estrangulamento, aquele
silêncio de enforcado tranqüilo? A casa era forte como um boxeur sem
pescoço. E ter a cabeça diretamente ligada aos ombros era a angústia. Eles
olharam a casa como crianças diante de uma escadaria.
Enfim ambos haviam inesperadamente alcançado a meta e estavam diante
da esfinge. Boquiabertos, na extrema união do medo e do respeito e da
palidez, diante daquela verdade. A nua angústia dera um pulo e colocara-se
diante deles - nem ao menos familiar como a palavra que eles tinham se
habituado a usar. Apenas uma casa grossa, tosca, sem pescoço, só aquela
potência antiga.
Eu sou enfim a própria coisa que vocês procuravam, disse a casa grande.
E o mais engraçado é que não tenho segredo nenhum, disse também a
grande casa.
A moça olhava adormecida. Quanto ao rapaz, seu sétimo sentido
enganchara-se na parte mais interior da construção e ele sentia na ponta do fio
um mínimo estremecimento de resposta. Mal se movia, com medo de
espantar a própria atenção. A moça ancorara-se no espanto, com medo de sair
deste para o terror de uma descoberta. Mal falassem, e a casa desabaria. O
silêncio de ambos deixava o sobrado intacto. Mas, se antes eles tinham sido
forçados a olhá-lo, agora, mesmo que lhes avisassem que o caminho estava
livre para fugirem, ali ficariam, presos pelo fascínio e pelo horror. Fixando
aquela coisa erguida tão antes deles nascerem, aquela coisa secular e já
esvaziada de sentido, aquela coisa vinda do passado. Mas e o futuro?! Oh
Deus, dai-nos o nosso futuro! A casa sem olhos, com a potência de um cego.
E se tinha olhos, eram redondos olhos vazios de estátua. Oh Deus, não nos
deixeis ser filhos desse passado vazio, entregai-nos ao futuro. Eles queriam ser
filhos. Mas não dessa endurecida carcaça fatal, eles não compreendiam o
passado: oh, livrai-nos do passado, deixai-nos cumprir o nosso duro dever.
Pois não era a liberdade o que as duas crianças queriam, elas bem queriam ser
convencidas e subjugadas e conduzidas - mas teria que ser por alguma coisa
mais poderosa que o grande poder que lhes batia no peito.
A moça desviou subitamente o rosto, tão infeliz que sou, tão infeliz que
sempre fui, as aulas acabaram, tudo acabou! - porque na sua avidez ela era
ingrata com uma infância que fora provavelmente alegre. A moça subitamente
desviou o rosto com uma espécie de grunhido.
Quanto ao rapaz, ele rapidamente perdia pé na vaguidão como se fosse
ficando sem um pensamento. Isso também era resultado da luz da tarde: era
uma luz lívida e sem hora. O rosto do rapaz estava esverdeado e calmo, e ele agora não tinha nenhuma ajuda das palavras dos outros: exatamente como
temerariamente aspirava um dia conseguir. Só que não contara com a miséria
que havia em não poder exprimir.
Verdes e nauseados, eles não saberiam exprimir. A casa simbolizava
alguma coisa que eles jamais poderiam alcançar, mesmo com toda uma vida de
procura de expressão. Procurar a expressão, por uma vida inteira que fosse,
seria em si um divertimento, amargo e perplexo, mas divertimento, e seria
uma divergência que pouco a pouco os afastaria da perigosa verdade - e os
salvaria. Logo eles que, na desesperada esperteza de sobreviver, já tinham
inventado para eles mesmos um futuro: ambos iam ser escritores, e com uma
determinação tão obstinada como se exprimir a alma a suprimisse enfim. E se
não suprimisse, seria um modo de só saber que se mente na solidão do
próprio coração.
Ao passo que com a casa do passado eles não poderiam brincar. Agora,
tão menores que ela, parecia-lhes que tinham apenas brincado de ser moço e
doloroso e de dar a mensagem. Agora, espantados, tinham finalmente o que
haviam perigosa e imprudentemente pedido: eram dois jovens realmente
perdidos. Como diriam as pessoas mais velhas, "eles estavam tendo o que bem
mereciam". E eram tão culpados como crianças culpadas, tão culpados como
são inocentes os criminosos. Ah, se ainda pudessem apaziguar o mundo por
eles exacerbado, assegurando lhe: "estávamos apenas brincando! somos dois
impostores!" Mas era tarde. "Rende-te sem condição e faze de ti uma parte de
mim que sou o passado" - dizia-lhes a vida futura. E, por Deus, em nome de
que poderia alguém exigir que tivessem esperança de que o futuro seria deles?
quem?! mas quem se interessava em esclarecer-lhes o mistério, e sem mentir?
havia por acaso alguém trabalhando nesse sentido? Dessa vez, emudecidos
como estavam, nem lhes ocorreria acusar a sociedade.
A moça havia subitamente voltado o rosto com um grunhido, uma
espécie de soluço ou tosse.
"Meio que chorar nessa hora é bem de mulher", pensou ele do fundo de
sua perdição, sem saber o que queria dizer com "essa hora". Mas esta foi a
primeira solidez que ele encontrou para si mesmo. Agarrando-se a essa
primeira tábua, pôde voltar cambaleante à tona, e como sempre antes da
moça. Voltou antes dela, e viu uma casa de pé com um cartaz de "Aluga-se".
Ouviu o ônibus às suas costas, viu uma casa vazia, e ao seu lado a moça com
um rosto doentio, procurando escondê-lo do homem já acordado: ele
procurava por algum motivo ocultar a cara.
Ainda vacilante, ele esperou com polidez que ela se recompusesse.
Esperou vacilante, sim, mas homem. Magro e irremediavelmente moço, sim,
mas homem. Um corpo de homem era a solidez que o recuperava sempre.
Volta e meia, quando precisava muito, ele se tornava um homem. Então, com
mão incerta, acendeu sem naturalidade um cigarro, como se ele fosse os outros,
socorrendo-se dos gestos que a maçonaria dos homens lhe dava como apoio e
caminho. E ela? Mas a moça saiu de tudo isso pintada com batom, com o ruge meio
manchado, e enfeitada por um colar azul. Plumas que um momento antes
haviam feito parte de uma situação e de um futuro, mas agora era como se ela
não tivesse lavado o rosto antes de dormir e acordasse com as marcas
impudicas de uma orgia anterior. Pois ela, volta e meia, era uma mulher.
Com um cinismo reconfortante, o rapaz olhou-a curioso. E viu que ela
não passava de uma moça.
- Fico por aqui mesmo, disse-lhe então despedindo-se com altivez, ele
que nem sequer tinha mais hora certa de voltar para casa e sentia no bolso a
chave da porta.
Despediram-se e eles, que nunca se apertavam as mãos porque seria
convencional, apertaram-se as mãos, pois ela, na falta de jeito de em tão má
hora ter seios e um colar, ela estendera desastradamente a sua. O contato das
duas mãos úmidas se apalpando sem amor constrangeu o rapaz como uma
operação vergonhosa, ele corou. E ela, com batom e ruge, procurou disfarçar
a própria nudez enfeitada. Ela não era nada, e afastou-se como se mil olhos a
seguissem, esquiva na sua humildade de ter uma condição.
Vendo-a afastar-se, ele a examinou incrédulo, com um interesse divertido:
"será possível que mulher possa realmente saber o que é angústia?" E a dúvida
fez com que ele se sentisse muito forte. "Não, mulher servia mesmo era para
outra coisa, isso não se podia negar." E era de um amigo que ele precisava.
Sim, de um amigo leal. Sentiu-se então limpo e franco, sem nada a esconder,
leal como um homem. De qualquer tremor de terra, ele saía com um
movimento livre para a frente, com a mesma orgulhosa inconseqüência que
faz o cavalo relinchar. Enquanto ela saiu costeando a parede como uma
intrusa, já quase mãe dos filhos que um dia teria, o corpo pressentindo a
submissão, corpo sagrado e impuro a carregar. O rapaz olhou-a, espantado de
ter sido ludibriado pela moça tanto tempo, e quase sorriu, quase sacudia as
asas que acabavam de crescer. Sou homem, disse-lhe o sexo em obscura
vitória. De cada luta ou repouso, ele saía mais homem, ser homem se
alimentava mesmo daquele vento que agora arrastava poeira pelas ruas do
Cemitério São João Batista. O mesmo vento de poeira que fazia com que o
outro ser, o fêmeo, se encolhesse ferido, como se nenhum agasalho fosse
jamais proteger a sua nudez, esse vento das ruas.
O rapaz viu-a afastar-se, acompanhando-a com olhos pornográficos e
curiosos que não pouparam nenhum detalhe humilde da moça. A moça que
de súbito pôs-se a correr desesperadamente para não perder o ônibus...
Num sobressalto, fascinado, o rapaz viu-a correr como uma doida para
não perder o ônibus, intrigado viu-a subir no ônibus como um macaco de saia
curta. O falso cigarro caiu-lhe da mão...
Alguma coisa incômoda o desequilibrara. O que era? Um momento de
grande desconfiança o tomava. Mas o que era?! Urgentemente,
inquietantemente: o que era? Ele a vira correr toda ágil mesmo que o coração
da moça, ele bem adivinhava, estivesse pálido. E vira-a, toda cheia de impotente amor pela humanidade, subir como um macaco no ônibus - e viu-a
depois sentar-se quieta e comportada, recompondo a blusa enquanto esperava
que o ônibus andasse... Seria isso? Mas o que poderia haver nisso que o enchia
de desconfiada atenção? Talvez o fato dela ter corrido à toa, pois o ônibus
ainda não ia partir, havia pois tempo... Ela nem precisava ter corrido... Mas o
que havia nisso tudo que fazia com que ele erguesse as orelhas em escuta
angustiada, numa surdez de quem jamais ouvirá a explicação?
Ele tinha acabado de nascer um homem. Mas, mal assumira o seu
nascimento, e estava também assumindo aquele peso no peito: mal assumira a
sua glória, e uma experiência insondável dava-lhe a primeira futura ruga.
Ignorante, inquieto, mal assumira a masculinidade, e uma nova fome ávida
nascia, uma coisa dolorosa como um homem que nunca chora. Estaria ele
tendo o primeiro medo de que alguma coisa fosse impossível? A moça era um
zero naquele ônibus parado, e no entanto, homem que agora ele era, o rapaz
de súbito precisava se inclinar para aquele nada, para aquela moça. E nem ao
menos inclinar-se de igual para igual, nem ao menos inclinar-se para
conceder... Mas, atolado no seu reino de homem, ele precisava dela. Para quê?
para lembrar-se de uma cláusula? para ela ou outra qualquer não o deixasse ir
longe demais e se perder? para que ele sentisse em sobressalto, como estava
sentindo, que havia a possibilidade de erro? Ele precisava dela com fome para
não esquecer que eram feitos da mesma carne, essa carne pobre da qual, ao
subir no ônibus como um macaco, ela parecia ter feito um caminho fatal. Que
é! mas afinal que é que está me acontecendo? assustou-se ele.
Nada. Nada, e que não se exagere, fora apenas um instante de fraqueza e
vacilação, nada mais que isso, não havia perigo.
Apenas um instante de fraqueza e vacilação. Mas dentro desse sistema de
duro juízo final, que não permite nem um segundo de incredulidade senão o
ideal desaba, ele olhou estonteado a longa rua - e tudo agora estava estragado
e seco como se ele tivesse a boca cheia de poeira. Agora e enfim sozinho,
estava sem defesa à mercê da mentira pressurosa com que os outros tentavam
ensiná-lo a ser um homem. Mas e a mensagem?! a mensagem esfarelada na
poeira que o vento arrastava para as grades do esgoto. Mamãe, disse ele.
MENINO A BICO DE PENA
Como conhecer jamais o menino? Para conhecê-lo tenho que esperar que
ele se deteriore, e só então ele estará ao meu alcance. Lá está ele, um ponto no
infinito. Ninguém conhecerá o hoje dele. Nem ele próprio. Quanto a mim,
olho, e é inútil: não consigo entender coisa apenas atual, totalmente atual. O
que conheço dele é a sua situação: o menino é aquele em quem acabaram de
nascer os primeiros dentes e é o mesmo que será médico ou carpinteiro.
Enquanto isso - lá está ele sentado no chão, de um real que tenho de chamar
de vegetativo para poder entender. Trinta mil desses meninos sentados no chão, teriam eles a chance de construir um mundo outro, um que levasse em
conta a memória da atualidade absoluta a que um dia já pertencemos? A união
faria a força. Lá está ele sentado, iniciando tudo de novo mas para a própria
proteção futura dele, sem nenhuma chance verdadeira de realmente iniciar.
Não sei como desenhar o menino. Sei que é impossível desenhá-lo a carvão,
pois até o bico de pena mancha o papel para além da finíssima linha de
extrema atualidade em que ele vive. Um dia o domesticaremos em humano, e
poderemos desenhá-lo. Pois assim fizemos conosco e com Deus. O próprio
menino ajudará sua domesticação: ele é esforçado e coopera. Coopera sem
saber que essa ajuda que lhe pedimos é para o seu auto-sacrifício.
Ultimamente ele até tem treinado muito. E assim continuará progredindo até
que, pouco a pouco - pela bondade necessária com que nos salvamos - ele
passará do tempo atual ao tempo cotidiano, da meditação à expressão, da
existência à vida. Fazendo o grande sacrifício de não ser louco. Eu não sou
louco por solidariedade com os milhares de nós que, para construir o possível,
também sacrificaram a verdade que seria uma loucura.
Mas por enquanto ei-lo sentado no chão, imerso num vazio profundo.
Da cozinha a mãe se certifica: você está quietinho aí? Chamado ao
trabalho, o menino ergue-se com dificuldade. Cambaleia sobre as pernas, com
a atenção inteira para dentro: todo o seu equilíbrio é interno. Conseguido isso,
agora a inteira atenção para fora: ele observa o que o ato de se erguer
provocou. Pois levantar-se teve conseqüências e conseqüências: o chão movese incerto, uma cadeira o supera, a parede o delimita. E na parede tem o
retrato de O Menino. É difícil olhar para o retrato alto sem apoiar-se num
móvel, isso ele ainda não treinou. Mas eis que sua própria dificuldade lhe serve
de apoio: o que o mantém de pé é exatamente prender a atenção ao retrato
alto, olhar para cima lhe serve de guindaste. Mas ele comete um erro:
pestaneja. Ter pestanejado desliga-o por uma fração de segundo do retrato
que o sustentava. O equilíbrio se desfaz - num único gesto total, ele cai
sentado. Da boca entreaberta pelo esforço de vida a baba clara escorre e pinga
no chão. Olha o pingo bem de perto, como a uma formiga. O braço ergue-se,
avança em árduo mecanismo de etapas. E de súbito, como para prender um
inefável, com inesperada violência ele achata a baba com a palma da mão.
Pestaneja, espera. Finalmente, passado o tempo necessário que se tem de
esperar pelas coisas, ele destampa cuidadosamente a mão e olha no assoalho o
fruto da experiência. O chão está vazio. Em nova brusca etapa, olha a mão: o
pingo de baba está, pois, colado na palma. Agora ele sabe disso também.
Então, de olhos bem abertos, lambe a baba que pertence ao menino. Ele
pensa bem alto: menino.
- Quem é que você está chamando? pergunta a mãe lá da cozinha.
Com esforço e gentileza ele olha pela sala, procura quem a mãe diz que
ele está chamando, vira-se e cai para trás. Enquanto chora, vê a sala entortada
e refratada pelas lágrimas, o volume branco cresce até ele - mãe! absorve-o
com braços fortes, e eis que o menino está bem no alto do ar, bem no quente e no bom. O teto está mais perto, agora; a mesa, embaixo. E, como ele não
pode mais de cansaço, começa a revirar as pupilas até que estas vão
mergulhando na linha de horizonte dos olhos. Fecha-os sobre a última
imagem, as grades da cama. Adormece esgotado e sereno.
A água secou na boca. A mosca bate no vidro. O sono do menino é
raiado de claridade e calor, o sono vibra no ar. Até que, em pesadelo súbito,
uma das palavras que ele aprendeu lhe ocorre: ele estremece violentamente,
abre os olhos. E para o seu terror vê apenas isto: o vazio quente e claro do ar,
sem mãe. O que ele pensa estoura em choro pela casa toda. Enquanto chora,
vai se reconhecendo, transformando-se naquele que a mãe reconhecerá.
Quase desfalece em soluços, com urgência ele tem que se transformar numa
coisa que pode ser vista e ouvida senão ele ficará só, tem que se transformar
em compreensível senão ninguém o compreenderá, senão ninguém irá para o
seu silêncio ninguém o conhece se ele não disser e contar, farei tudo o que for
necessário para que eu seja dos outros e os outros sejam meus, pularei por
cima de minha felicidade real que só me traria abandono, e serei popular, faço
a barganha de ser amado, é inteiramente mágico chorar para ter em troca:
mãe.
Até que o ruído familiar entra pela porta e o menino, mudo de interesse
pelo que o poder de um menino provoca, pára de chorar: mãe. Mãe é: não
morrer. E sua segurança é saber que tem um mundo para trair e vender, e que
o venderá.
É mãe, sim é mãe com fralda na mão. A partir de ver a fralda, ele
recomeça a chorar.
- Pois se você está todo molhado!
A notícia o espanta, sua curiosidade recomeça, mas agora uma
curiosidade confortável e garantida. Olha com cegueira o próprio molhado,
em nova etapa olha a mãe. Mas de repente se retesa e escuta com o corpo
todo, o coração batendo pesado na barriga: fonfom!, reconhece ele de repente
num grito de vitória e terror - o menino acaba de reconhecer!
- Isso mesmo! diz a mãe com orgulho, isso mesmo, meu amor, é fonfom
que passou agora pela rua, vou contar para o papai que você já aprendeu, é
assim mesmo que se diz: fonfom, meu amor! diz a mãe puxando-o de baixo
para cima e depois de cima para baixo, levantando-o pelas pernas, inclinandoo para trás, puxando-o de novo de baixo para cima. Em todas as posições o
menino conserva os olhos bem abertos. Secos como a fralda nova.
UMA HISTÓRIA DE TANTO AMOR
Era uma vez uma menina que observava tanto as galinhas que lhes
conhecia a alma e os anseios íntimos. A galinha é ansiosa, enquanto o galo
tem angústia quase humana: falta-lhe um amor verdadeiro naquele seu harém,
e ainda mais tem que vigiar a noite toda para não perder a primeira das mais longínquas claridades e cantar o mais sonoro possível. É o seu dever e a sua
arte. Voltando às galinhas, a menina possuía duas só dela. Uma se chamava
Pedrina e a outra Petronilha.
Quando a menina achava que uma delas estava doente do fígado, ela
cheirava embaixo das asas delas, com uma simplicidade de enfermeira, o que
considerava ser o sintoma máximo de doenças, pois o cheiro de galinha viva
não é de se brincar. Então pedia um remédio a uma tia. E a tia: "Você não
tem coisa nenhuma no fígado". Então, com a intimidade que tinha com essa
tia eleita, explicou-lhe para quem era o remédio. A menina achou de bom
alvitre dá-lo tanto a Pedrina quanto a Petronilha para evitar contágios
misteriosos. Era quase inútil dar o remédio porque Pedrina e Petronilha
continuavam a passar o dia ciscando o chão e comendo porcarias que faziam
mal ao fígado. E o cheiro debaixo das asas era aquela morrinha mesmo. Não
lhe ocorreu dar um desodorante porque nas Minas Gerais onde o grupo vivia
não eram usados assim como não se usavam roupas íntimas de nylon e sim de
cambraia. A tia continuava a lhe dar o remédio, um líquido escuro que a
menina desconfiava ser água com uns pingos de café - e vinha o inferno de
tentar abrir o bico das galinhas para administrar-lhes o que as curaria de serem
galinhas. A menina ainda não tinha entendido que os homens não podem ser
curados de serem homens e as galinhas de serem galinhas: tanto o homem
como a galinha têm misérias e grandeza (a da galinha é a de pôr um ovo
branco de forma perfeita) inerentes à própria espécie. A menina morava no
campo e não havia farmácia perto para ela consultar.
Outro inferno de dificuldade era quando a menina achava Pedrina e
Petronilha magras debaixo das penas arrepiadas, apesar de comerem o dia
inteiro. A menina não entendera que engordá-las seria apressar-lhes um
destino na mesa. E recomeçava o trabalho mais difícil: o de abrir-lhes o bico.
A menina tornou-se grande conhecedora intuitiva de galinhas naquele imenso
quintal das Minas Gerais. E quando cresceu ficou surpresa ao saber que na
gíria o termo galinha tinha outra acepção. Sem notar a seriedade cômica que a
coisa toda tomava:
- Mas é o galo, que é um nervoso, é quem quer! Elas não fazem nada
demais! e é tão rápido que mal se vê! O galo é quem fica procurando amar
uma e não consegue!
Um dia a família resolveu levar a menina para passar o dia na casa de um
parente, bem longe de casa. E quando voltou, já não existia aquela que em
vida fora Petronilha. Sua tia informou-lhe:
- Nós comemos Petronilha.
A menina era criatura de grande capacidade de amar: uma galinha não
corresponde ao amor que se lhe dá e no entanto a menina continuava a amá-la
sem esperar reciprocidade. Quando soube o que acontecera com Petronilha
passou a odiar todo o mundo da casa, menos sua mãe que não gostava de
comer galinha e os empregados que comeram carne de vaca ou de boi. O seu
pai, então, ela mal conseguiu olhar: era ele quem mais gostava de comer galinha. Sua mãe percebeu tudo e explicou-lhe.
- Quando a gente come bichos, os bichos ficam mais parecidos com a
gente, estando assim dentro de nós. Daqui de casa só nós duas é que não
temos Petronilha dentro de nós. É uma pena.
Pedrina, secretamente a preferida da menina, morreu de morte morrida
mesmo, pois sempre fora um ente frágil. A menina, ao ver Pedrina tremendo
num quintal ardente de sol, embrulhou-a num pano escuro e depois de bem
embrulhadinha botou-a em cima daqueles grandes fogões de tijolos das
fazendas das minas-gerais. Todos lhe avisaram que estava apressando a morte
de Pedrina, mas a menina era obstinada e pôs mesmo Pedrina toda enrolada
em cima dos tijolos quentes. Quando na manhã seguinte Pedrina amanheceu
dura de tão morta, a menina só então, entre lágrimas intermináveis, se
convenceu de que apressara a morte do ser querido.
Um pouco maiorzinha, a menina teve uma galinha chamada Eponina.
O amor por Eponina: dessa vez era um amor mais realista e não
romântico; era o amor de quem já sofreu por amor. E quando chegou a vez de
Eponina ser comida, a menina não apenas soube como achou que era o
destino fatal de quem nascia galinha. As galinhas pareciam ter uma pré-ciência
do próprio destino e não aprendiam a amar os donos nem o galo. Uma
galinha é sozinha no mundo.
Mas a menina não esquecera o que sua mãe dissera a respeito de comer
bichos amados: comeu Eponina mais do que todo o resto da família, comeu
sem fome, mas com um prazer quase físico porque sabia agora que assim
Eponina se incorporaria nela e se tornaria mais sua do que em vida. Tinham
feito Eponina ao molho pardo. De modo que a menina, num ritual pagão que
lhe foi transmitido de corpo a corpo através dos séculos, comeu-lhe a carne e
bebeu-lhe o sangue. Nessa refeição tinha ciúmes de quem também comia
Eponina. A menina era um ser feito para amar até que se tornou moça e havia
os homens.
AS ÁGUAS DO MUNDO
Aí está ele, o mar, a mais ininteligível das existências não humanas. E aqui
está a mulher, de pé na praia, o mais ininteligível dos seres vivos. Como ser
humano fez um dia uma pergunta sobre si mesmo, tornou-se o mais
ininteligível dos seres vivos. Ela e o mar.
Só poderia haver um encontro de seus mistérios se um se entregasse ao
outro: a entrega de dois mundos incognoscíveis feita com a confiança com
que se entregariam duas compreensões.
Ela olha o mar, é o que pode fazer. Ele só lhe é delimitado pela linha do
horizonte, isto é, pela sua incapacidade humana de ver a curvatura da terra.
São seis horas da manhã. Só um cão livre hesita na praia, um cão negro.
Por que é que um cão é tão livre? Por que ele é o mistério vivo que não se indaga. A mulher hesita porque vai entrar.
Seu corpo se consola com sua própria exigüidade em relação à vastidão
do mar porque é a exigüidade do corpo que o permite manter-se quente e é
essa exigüidade que a torna pobre e livre gente, com sua parte de liberdade de
cão nas areias. Esse corpo entrará no ilimitado frio que sem raiva ruge no
silêncio das seis horas. A mulher não está sabendo: mas está cumprindo uma
coragem. Com a praia vazia nessa hora da manhã, ela não tem o exemplo de
outros humanos que transformam a entrada no mar em simples jogo leviano
de viver. Ela está sozinha. O mar salgado não é sozinho porque é salgado e
grande, e isso é uma realização. Nessa hora ela se conhece menos ainda do
que conhece o mar. Sua coragem é a de, não se conhecendo, no entanto
prosseguir. É fatal não se conhecer, e não se conhecer exige coragem.
Vai entrando. A água salgada é de um frio que lhe arrepia em ritual as
pernas. Mas uma alegria fatal - a alegria é uma fatalidade - já a tomou, embora
nem lhe ocorra sorrir. Pelo contrário, está muito séria. O cheiro é de uma
maresia tonteante que a desperta de seus mais adormecidos sonos seculares. E
agora ela está alerta, mesmo sem pensar, como um caçador está alerta sem
pensar. A mulher é agora uma compacta e uma leve e uma aguda - e abre
caminho na gelidez que, líquida, se põe a ela, e no entanto a deixa entrar,
como no amor em que a oposição pode ser um pedido.
O caminho lento aumenta sua coragem secreta. E de repente ela se deixa
cobrir pela primeira onda. O sal, o iodo, tudo líquido, deixam-na por uns
instantes cega, toda escorrendo - espantada de pé, fertilizada.
Agora o frio se transforma em frígido. Avançando, ela abre o mar pelo
meio. Já não precisa da coragem, agora já é antiga no ritual. Abaixa a cabeça
dentro do brilho do mar, e retira uma cabeleira que sai escorrendo toda sobre
os olhos salgados que ardem. Brinca com a mão na água, pausada, os cabelos
ao sol quase imediatamente já estão se endurecendo de sal. Com a concha das
mãos faz o que sempre fez no mar, e com a altivez dos que nunca darão
explicação nem a eles mesmos: com a concha das mãos cheia de água, bebe
em goles grandes, bons.
E era isso o que lhe estava faltando: o mar por dentro como o líquido
espesso de um homem. Agora ela está toda igual a si mesma. A garganta
alimentada se constringe pelo sal, os olhos avermelham-se pelo sal secado pelo
sol, as ondas suaves lhe batem e voltam pois ela é um anteparo compacto.
Mergulha de novo, de novo bebe mais água, agora sem sofreguidão pois
não precisa mais. Ela é a amante que sabe que terá tudo de novo. O sol se
abre mais e arrepia-a ao secá-la, ela mergulha de novo: está cada vez menos
sôfrega e menos aguda. Agora sabe o que quer. Quer ficar de pé parada no
mar. Assim fica, pois. Como contra os costados de um navio, a água bate,
volta, bate. A mulher não recebe transmissões. Não precisa de comunicação.
Depois caminha dentro da água de volta à praia. Não está caminhando
sobre as águas - ah nunca faria isso depois que há milênios já andaram sobre
as águas - mas ninguém lhe tira isso: caminhar dentro das águas. As vezes o mar lhe opõe resistência puxando-a com força para trás, mas então a proa da
mulher avança um pouco mais dura e áspera.
E agora pisa na areia. Sabe que está brilhando de água, e sal e sol. Mesmo
que o esqueça daqui a uns minutos, nunca poderá perder tudo isso. E sabe de
algum modo obscuro que seus cabelos escorridos são de um náufrago. Porque
sabe - sabe que fez um perigo. Um perigo tão antigo quanto o ser humano.
A QUINTA HISTÓRIA
Esta história poderia chamar-se "As Estátuas". Outro nome possível é "O
Assassinato". E também "Como Matar Baratas". Farei então pelo menos três
histórias, verdadeiras, porque nenhuma delas mente a outra. Embora uma
única, seriam mil e uma, se mil e uma noites me dessem.
A primeira, "Como Matar Baratas", começa assim: queixei-me de baratas.
Uma senhora ouviu-me a queixa. Deu-me a receita de como matá-las. Que
misturasse em partes iguais açúcar, farinha e gesso. A farinha e o açúcar as
atrairiam, o gesso esturricaria o de-dentro delas. Assim fiz. Morreram.
A outra história é a primeira mesmo e chama-se "O Assassinato".
Começa assim: queixei-me de baratas. Uma senhora ouviu-me. Segue-se a
receita. E então entra o assassinato. A verdade é que só em abstrato me havia
queixado de baratas, que nem minhas eram: pertenciam ao andar térreo e
escalavam os canos do edifício até o nosso lar. Só na hora de preparar a
mistura é que elas se tornaram minhas também. Em nosso nome, então,
comecei a medir e pesar ingredientes numa concentração um pouco mais
intensa. Um vago rancor me tomara, um senso de ultraje. De dia as baratas
eram invisíveis e ninguém acreditaria no mal secreto que roía casa tão
tranqüila. Mas se elas, como os males secretos, dormiam de dia, ali estava eu a
preparar-lhes o veneno da noite. Meticulosa, ardente, eu aviava o elixir da
longa morte. Um medo excitado e meu próprio mal secreto me guiavam.
Agora eu só queria gelidamente uma coisa: matar cada barata que existe.
Baratas sobem pelos canos enquanto a gente, cansada, sonha. E eis que a
receita estava pronta, tão branca. Como para baratas espertas como eu,
espalhei habilmente o pó até que este mais parecia fazer parte da natureza. De
minha cama, no silêncio do apartamento, eu as imaginava subindo uma a uma
até a área de serviço onde o escuro dormia, só uma toalha alerta no varal.
Acordei horas depois em sobressalto de atraso. Já era de madrugada.
Atravessei a cozinha. No chão da área lá estavam elas, duras, grandes. Durante
a noite eu matara. Em nosso nome, amanhecia. No morro um galo cantou. A
terceira história que ora se inicia é a das "Estátuas". Começa dizendo que eu
me queixara de baratas. Depois vem a mesma senhora. Vai indo até o ponto
em que, de madrugada, acordo e ainda sonolenta atravesso a cozinha. Mais
sonolenta que eu está a área na sua perspectiva de ladrilhos. E na escuridão da
aurora, um arroxeado que distancia tudo, distingo a meus pés sombras e brancuras: dezenas de estátuas se espalham rígidas. As baratas que haviam
endurecido de dentro para fora. Algumas de barriga para cima. Outras no
meio de um gesto que não se completaria jamais. Na boca de umas um pouco
da comida branca. Sou a primeira testemunha do alvorecer em Pompéia. Sei
como foi esta última noite, sei da orgia no escuro. Em algumas o gesso terá
endurecido tão lentamente como num processo vital, e elas, com movimentos
cada vez mais penosos, terão sofregamente intensificado as alegrias da noite,
tentando fugir de dentro de si mesmas. Até que de pedra se tornam, em
espanto de inocência, e com tal, tal olhar de censura magoada. Outras -
subitamente assaltadas pelo próprio âmago, sem nem sequer ter tido a intuição
de um molde interno que se petrificava! - essas de súbito se cristalizam, assim
como a palavra é cortada da boca: eu te... Elas que, usando o nome de amor
em vão, na noite de verão cantavam. Enquanto aquela ali, a de antena marrom
suja de branco, terá adivinhado tarde demais que se mumificara exatamente
por não ter sabido usar as coisas com a graça gratuita do em vão: "é que olhei
demais para dentro de mim! é que olhei demais para dentro de..." - de minha
fria altura de gente olho a derrocada de um mundo. Amanhece. Uma ou outra
antena de barata morta freme seca à brisa. Da história anterior canta o galo.
A quarta narrativa inaugura nova era no lar. Começa como se sabe:
queixei-me de baratas. Vai até o momento em que vejo os monumentos de
gesso. Mortas, sim. Mas olho para os canos, por onde esta mesma noite
renovar-se-á uma população lenta e viva em fila-indiana. Eu iria então renovar
todas as noites o açúcar letal? como quem já não dorme sem a avidez de um
rito. E todas as madrugadas me conduziria sonâmbula até o pavilhão? no vício
de ir ao encontro das estátuas que minha noite suada erguia. Estremeci de
mau prazer à visão daquela vida dupla de feiticeira. E estremeci também ao
aviso do gesso que seca: o vício de viver que rebentaria meu molde interno.
Áspero instante de escolha entre dois caminhos que, pensava eu, se dizem
adeus, e certa de que qualquer escolha seria a do sacrifício: eu ou minha alma.
Escolhi. E hoje ostento secretamente no coração uma placa de virtude: "Esta
casa foi dedetizada".
A quinta história chama-se "Leibnitz e a Transcendência do Amor na
Polinésia". Começa assim: queixei-me de baratas.
ENCARNAÇÃO INVOLUNTÁRIA
Às vezes, quando vejo uma pessoa que nunca vi, e tenho algum tempo
para observá-la, eu me encarno nela e assim dou um grande passo para
conhecê-la. E essa intrusão numa pessoa, qualquer que seja ela, nunca termina
pela sua própria auto-acusação: ao nela me encarnar, compreendo-lhe os
motivos e perdôo. Preciso é prestar atenção para não me encarnar numa vida
perigosa e atraente, e que por isso mesmo eu não queira o retorno a mim
mesmo. Um dia, no avião... ah, meu Deus - implorei - isso não, não quero ser essa
missionária!
Mas era inútil. Eu sabia que, por causa de três horas de sua presença, eu
por vários dias seria missionária. A magreza e a delicadeza extremamente
polida de missionária já me haviam tomado. É com curiosidade, algum
deslumbramento e cansaço prévio que sucumbo à vida que vou experimentar
por uns dias viver. E com alguma apreensão, do ponto-de-vista prático: ando
agora muito ocupada demais com os meus deveres e prazeres para poder arcar
com o peso dessa vida que não conheço - mas cuja tensão evangelical já
começo a sentir. No avião mesmo percebo que já comecei a andar com esse
passo de santa leiga: então compreendo como a missionária é paciente, como
se apaga com esse passo que mal quer tocar no chão, como se pisar mais forte
viesse prejudicar os outros. Agora sou pálida, sem nenhuma pintura nos
lábios, tenho o rosto fino e uso aquela espécie de chapéu de missionária.
Quando eu saltar em terra provavelmente já terei esse ar de sofrimentosuperado-pela-paz-de-se-ter-uma-missão. E no meu rosto estará impressa a
doçura da esperança moral. Porque sobretudo me tornei toda moral. No
entanto quando entrei no avião estava tão sadiamente amoral. Estava, não,
estou! Grito-me eu em revolta contra os preconceitos da missionária. Inútil:
toda a minha força está sendo usada para eu conseguir ser frágil. Finjo ler uma
revista, enquanto ela lê a Bíblia.
Vamos ter uma descida curta em terra. O aeromoço distribui chicletes. E
ela cora mal o rapaz se aproxima.
Em terra sou uma missionária ao vento do aeroporto, seguro minhas
imaginárias saias longas e cinzentas contra o despudor do vento. Entendo,
entendo. Entendo-a, ah, como a entendo e ao seu pudor de existir quando
está fora das horas em que cumpre sua missão. Acuso, como a
missionariazinha, as saias curtas das mulheres, tentação para os homens. E,
quando não entendo, é com o mesmo fanatismo depurado dessa mulher
pálida que facilmente cora à aproximação do rapaz que nos avisa que devemos
prosseguir viagem.
Já sei que só daí a dias conseguirei recomeçar enfim integralmente a
minha própria vida. Que, quem sabe, talvez nunca tenha sido própria, senão
no momento de nascer, e o resto tenha sido encarnações. Mas não: eu sou
uma pessoa. E quando o fantasma de mim mesma me toma - então é um tal
encontro de alegria, uma tal festa, que a modo de dizer choramos uma no
ombro da outra. Depois enxugamos as lágrimas felizes, meu fantasma se
incorpora plenamente em mim, e saímos com alguma altivez por esse mundo
afora.
Uma vez, também em viagem, encontrei uma prostituta perfumadíssima
que fumava entrefechando os olhos e estes ao mesmo tempo olhavam
fixamente um homem que já estava sendo hipnotizado. Passei imediatamente,
para melhor compreender, a fumar de olhos entrefechados para o único
homem ao alcance de minha visão intencionada. Mas o homem gordo que eu olhara para experimentar e ter a alma da prostituta, o gordo estava
mergulhado no New York Times. E meu perfume era discreto demais. Falhou
tudo.
DUAS HISTÓRIAS A MEU MODO
Uma vez, não tendo o que fazer, fiz uma espécie de exercício de escrever, para
me divertir. E diverti-me. Tomei como tema uma dupla história de Marcel
Aymé. Encontrei hoje o exercício, e é assim:
Boa história de vinho é a do homem que deste não gostava, e Félicien
Guérillot, dono exatamente de vinhedos, era o seu nome - inventados nomes,
homem e história por Marcel Aymé, e tão bem inventados que para ser
verdade só da verdade careciam.
Viveria Félicien - se vivesse - em Arbois, terra de França, e casado com
mulher que não era nem mais bonita nem mais bem-feita do que é necessário
para a tranqüilidade de um honesto homem. De boa família ele era, apesar de
não gostar de vinho. E no entanto as melhores do lugar eram as suas vinhas.
De nenhum vinho gostava, e em vão procurava aquele que o libertasse da
maldição de não amar a excelência do que é excelente. Pois que mesmo na
sede, que é hora de aceitar vinho, o melhor gole a ele sabia a coisa ruim.
Leontina, a esposa que não era nem muito nem pouco, com ele ocultava de
todos a vergonha.
A história, agora por mim inteiramente reescrita, continuaria muito bem -
e melhor ainda se a nós o seu núcleo pertencesse, pelas boas idéias que tenho
de como terminá-la. Marcel Aymé, porém, que a começou, neste ponto da
descrição do homem que não amava vinho parece que da história mesma se
enojou. E ele próprio interferiu para dizer: mas de repente ela me chateia, essa
história. E para desta escapar, como quem bebe vinho para esquecer, eis que o
autor começa a falar de tudo o que poderia inventar a respeito de Félicien,
mas que não inventará porque não quer. Lamenta muito, pois até chegaria a
fazer com que Félicien fingisse tremor alcoólico a fim de esconder dos outros
a falta de tremor. Bom autor, esse Marcel Aymé. Tanto que várias páginas
gastou em torno do que ele mesmo inventaria se Félicien fosse pessoa que lhe
interessasse. A verdade é que Aymé, enquanto vai contando o que inventaria,
aproveita e conta mesmo - só que nós sabemos que não é, porque até no que
se inventa não vale o que apenas seria.
E é nesse ponto que Aymé passa para outra história. Não querendo mais
história de vinho triste, para Paris se muda, onde pega um homem chamado
Duvilé.
E em Paris é o contrário: Etienne Duvilé, esse gostava de vinho mas não
o tinha. Garrafa cara, e Etienne funcionário estadual. Bem que gostaria de se
corromper mas vender ou trair o Estado não é ocasião que apareça todos os
dias. A ocasião de todos os dias era uma casa cheia de filhos, e um sogro que de comer sem parar vivia. A família sonhando com mesa farta, e Duvilé com
vinho.
E vai um dia Etienne sonha mesmo, com o que desejamos dizer que
dessa vez enquanto sonhava dormia. Mas agora que o sonho deveríamos
contar - pois que Marcel Aymé o faz e longamente - agora é a nós que ça
vraiment nos chateia. Escamoteamos o que o autor quis narrar, assim como foi
escamoteado pelo autor o que de Félicien queríamos ouvir.
Dir-se-á aqui apenas que Duvilé, após o sonho de um sábado, à noite, de
muito piorou na sede. E o ódio pelo sogro mais uma sede parecia. E tanto foi
tudo se complicando, sempre tendo como causa a falta original do vinho, que
de sede quase mata o pai de sua esposa, que esta Aymé não explica se era ou
não bem-feita, pelo visto nem sim nem não, só o vinho na história importa.
De sonho dormido passou a sonho acordado, o que já é doença. E queria
Duvilé beber todo o mundo, e no distrito policial manifestou desejo de beber
o comissário.
Permanece até hoje Duvilé no asilo de alienados, e não se vê hora dele
sair, já que os médicos, não lhe entendendo o espírito o submetem à cura de
excelente água mineral que estanca sedes pequenas e não a grande.
Enquanto isso, Aymé, talvez de sede e piedade, ele mesmo tomado,
espera que a família de Duvilé o envie à boa terra de Arbois, onde aquele
primeiro homem, Félicien Guérillot, depois de aventuras que mereceriam ser
contadas, o gosto pelo vinho já pegou. E, como não nos dizem de que modo,
também por aqui ficamos, com duas histórias não bem contadas, nem por
Aymé nem por nós, mas de vinho quer-se pouco da fala e mais do vinho.
O PRIMEIRO BEIJO
Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o
namoro e ambos andavam tontos, era o amor. Amor com o que vem junto:
ciúme.
- Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com
isso. Mas me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher
antes de me beijar?
Ele foi simples:
- Sim, já beijei antes uma mulher.
- Quem era ela? perguntou com dor.
Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer.
O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos no
meio da garotada em algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe no rosto e
entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos, finos e sem peso como os de uma
mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e apenas sentir - era tão bom. A
concentração no sentir era difícil no meio da balbúrdia dos companheiros.
E mesmo a sede começara: brincar com a turma, falar bem alto, mais alto que o barulho do motor, rir, gritar, pensar, sentir, puxa vida! como deixava a
garganta seca.
E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez. Depois
de reunida na boca ardente engolia-a lentamente, outra vez e mais outra. Era
morna, porém, a saliva, e não tirava a sede. Uma sede enorme maior do que
ele próprio, que lhe tomava agora o corpo todo.
A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio-dia tornara-se quente e
árida e ao penetrar pelo nariz secava ainda mais a pouca saliva que
pacientemente juntava.
E se fechasse as narinas e respirasse um pouco menos daquele vento de
deserto? Tentou por instantes mas logo sufocava. O jeito era mesmo esperar,
esperar. Talvez minutos apenas, talvez horas, enquanto sua sede era de anos.
Não sabia como e por que mas agora se sentia mais perto da água,
pressentia-a mais próxima, e seus olhos saltavam para fora da janela
procurando a estrada, penetrando entre os arbustos, espreitando, farejando.
O instinto animal dentro dele não errara: na curva inesperada da estrada,
entre arbustos, estava... o chafariz de onde brotava num filete a água sonhada.
O ônibus parou, todos estavam com sede mas ele conseguiu ser o
primeiro a chegar ao chafariz de pedra, antes de todos.
De olhos fechados entreabriu os lábios e colou-os ferozmente ao orifício
de onde jorrava a água. O primeiro gole fresco desceu, escorrendo pelo peito
até a barriga.
Era a vida voltando, e com esta encharcou todo o seu interior arenoso até
se saciar. Agora podia abrir os olhos.
Abriu-os e viu bem junto de sua cara dois olhos de estátua fitando-o e viu
que era a estátua de uma mulher e que era da boca da mulher que saía a água.
Lembrou-se de que realmente ao primeiro gole sentira nos lábios um contato
gélido, mais frio do que a água.
E soube então que havia colado sua boca na boca da estátua da mulher de
pedra. A vida havia jorrado dessa boca, de uma boca para outra.
Intuitivamente, confuso na sua inocência, sentia intrigado: mas não é de
uma mulher que sai o líquido vivificador, o líquido germinador de vida...
Olhou a estátua nua.
Ele a havia beijado.
Sofreu um tremor que não se via por fora e que se iniciou bem dentro
dele e tomou-lhe o corpo todo estourando pelo rosto em brasa viva.
Deu um passo para trás ou para a frente, nem sabia mais o que fazia.
Perturbado, atônito, percebeu que uma parte de seu corpo, sempre antes
relaxada, estava agora com uma tensão agressiva, e isso nunca lhe tinha
acontecido.
Estava de pé, docemente agressivo, sozinho no meio dos outros, de
coração batendo fundo, espaçado, sentindo o mundo se transformar. A vida
era inteiramente nova, era outra, descoberta com sobressalto. Perplexo, num
equilíbrio frágil. Até que, vinda da profundeza de seu ser, jorrou de uma fonte oculta nele
a verdade. Que logo o encheu de susto e logo também de um orgulho antes
jamais sentido: ele...
Ele se tornara homem.